Friday, December 5, 2008

Ciência e Religião ─ Que Relação?


Um debate na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto sobre o tema “Ciência e Religião: Uma Relação (Im)possível?” juntou, surpreendentemente e contra as expectativas da maioria dos presentes, algumas centenas de pessoas. O tema, embora muito polémico no passado, parece não ser actualmente um tema entusiasmante de debate, mas a numerosa e interessada assistência, onde a juventude dominou, contrariou essa impressão.

Durante dois mil e quinhentos anos, tem sido muito discutida a possibilidade ou impossibilidade de uma relação pacífica entre Ciência e Religião. Os antigos filósofos gregos foram os primeiros a sentir as dificuldades dessa relação. As causas naturais que eles atribuíam aos fenómenos naturais chocavam com as explicações sobrenaturais que a Religião lhes dava. Assim, cedo se compreendeu a origem das dificuldades de um bom relacionamento: o conhecimento científico da Ciência contrariava o conhecimento revelado da Religião.

A importância relativa dada a estas duas formas de conhecimento ─ se ao último se pode chamar conhecimento … ─ foi-se alterando ao longo dos séculos. Na Idade Média dominou confortavelmente o conhecimento revelado. Nesta época, a religião cristã, dominadora da cultura ocidental, tudo controlava incluindo o conhecimento. Movimentos culturais fora do paradigma religioso eram combatidos como heréticos e alguns dos seus seguidores perderam a vida por defenderem ideias diferentes. A situação modificou-se, porém, quando despontou no início do século XVII a chamada ciência moderna. Com a valorização lenta, mas crescente, do conhecimento científico, o conhecimento revelado começou a perder crédito. As próprias bases da Religião foram testadas e contestadas. Com esta atmosfera tão desfavorável à Religião, esgrimiram-se e brandiram-se armas com maior intensidade de um lado e do outro. A Revolução Francesa, adoptando os princípios racionais da Ciência, desprezou e espezinhou a Religião. O ateísmo ganhou adeptos e os valores sociais com origens religiosas foram reformulados, inspirando-se numa consciência cívica de origem profana, fundamentada na liberdade, igualdade e fraternidade. Na segunda metade do século XIX, a teoria da evolução causou talvez a maior polémica científico-religiosa de que há memória. A guerra foi feroz. Saiu vencedor o conhecimento científico, iniciando-se um período de dominância cultural da Ciência sobre a Religião.

Hoje vemos responsáveis religiosos a afirmar que a Bíblia não pode, de modo algum, ser considerada uma fonte de conhecimento; que a Religião deve respeitar o conhecimento científico e não insistir em explicações ridículas sobre a criação do mundo e das coisas; que a imagem de Deus, que a tradição religiosa construiu ao longo de séculos, é um disparate; que Deus não está no céu, mas dentro e fora deste mundo, à nossa volta e dentro nós; que a Religião deve limitar-se aos domínios inacessíveis à Ciência. Com esta visão religiosa moderna, a relação entre Ciência e Religião não só é possível como poderá ser útil àqueles de cuja constituição íntima ─ fisiológica ou psicológica ─ faz parte o sobrenatural.

Julgo, porém, que esta nova religião é de tal forma estilizada que só aqueles que tiverem uma cultura científica a poderão entender e praticar. Enquanto esta cultura não existir na mente de todos os homens, haverá sempre lugar para a superstição e para práticas e crenças religiosas ridículas. Continuará a explorar-se a ignorância e a fé de gente simples, em benefício de instituições respeitáveis e de oportunistas. A necessidade de uma cultura científica universal é uma condição necessária para o desenvolvimento da Religião verdadeira e para um convívio salutar e frutuoso entre Ciência e Religião.

2 comments:

Sorvete de Framboesas said...

Gostei muito do blog e ainda mais deste post.

Descobrio-o, na sequência de uma pesquisa sobre um ciclo de conferências na Gulbenkian sobre os limites da Ciência.

De certeza que vou voltar!

Luís Bernardo said...

Agradeço o comentário.
Leitores interessados e interessantes são bem vindos.
Até breve.