O desfasamento entre a preparação académica dos cidadãos e as necessidades técnicas do país tem sido uma constante ao longo da história portuguesa. Os candidatos a um trabalho profissional não estão tecnicamente preparados para o desempenhar; não há candidatos adequados aos empregos disponíveis. Muitas vezes um contrato de trabalho não é acordado só porque a formação académica do candidato é superior àquela que o patrão deseja. Alguns afirmam que este desajustamento é um sintoma do atraso estrutural de que padecem a indústria, o comércio e os serviços portugueses. Outros acusam as escolas de elitismo, autismo e desprezo pela realidade laboral.
Nesta época de globalização do conhecimento, as universidades portuguesas dão aos seus alunos conhecimentos cientificamente actualizados, mas as estruturas produtivas da nação aparentemente não precisam dessa competências. O desemprego ou sub-emprego instalam-se naturalmente entre os jovens saídos das universidades e muito particularmente entre os jovens doutorados …
Esta última situação que começou há alguns anos depois do Estado português ter estimulado, de forma sistemática, a formação em massa de jovens intelectualmente promissores através de bolsas de estudo no país e no estrangeiro. As únicas instituições nacionais que absorviam estes profissionais qualificados eram as universidades, as escolas superiores e os centros de investigação científica, mas a capacidade de absorção destas instituições tem-se esgotado progressivamente. Com programas especiais de ajuda ao emprego qualificado, os governos tentaram estimular as indústrias a empregar doutores através de subsídios temporários às empresas, mas aparentemente esta política fracassou, porque as empresas não se entusiasmaram com o programa.
Há mais de 200 anos, porém, foi tentada uma abordagem diferente perante um problema idêntico. Após a reestruturação da Universidade de Coimbra levada a cabo em 1772 pelo Marquês de Pombal, criou-se a Faculdade de Matemática, onde se dava formação matemática a alunos de vários cursos e onde se formavam matemáticos que não encontravam empregos. É de notar que estes homens adquiriam uma formação que os preparava para o exercício de actividades técnicas nas mais variadas áreas da engenharia. Qual foi a solução encontrada pelos políticos para não terem que encerrar a Faculdade de Matemática? ─ Criar postos de trabalho para os matemáticos…
Um alvará de 1801 do reinado de D. João VI, assinado pelo 1º Conde de Linhares D. Rodrigo de Sousa Coutinho (1745-1812) ─ homem de elevada cultura e saber que foi sócio honorário da Academia Real de Ciências ─ enumerava várias instituições do Reino onde teriam que existir posições para matemáticos. Neste alvará se indicavam as tarefas que esses matemáticos deveriam realizar, as quais compreendiam as obras públicas de engenharia, a topografia, a cartografia e o ensino da matemática, entre outras. O referido alvará termina desta forma:
Alvará, pelo qual Vossa Alteza Real, querendo animar os estudos da Faculdade de Mathematica, honrar, e premiar os Professores, Doutores, e Bacharéis formados della: Ha por bem Ordenar, e Estabelecer, que nos Conselhos da Sua Real Fazenda, do Ultramar, Almirantado, e Real Junta do Commercio, Agricultura, Fabricas, e Navegação destes Reinos, e seus Dominios haja sempre, pelo menos, hum Lugar destinado para os Professores de maior merecimento da mesma Faculdade; e crear os Lugares de Cosmografos das Comarcas destes Reinos, para os Graduados, e Bachareis Formados em Mathematica, excitando, e mandando observar o que a favor delles se acha determinado nos Estatutos da dita Faculdade, tudo na forma assima declarada.
Esta foi uma política de criação administrativa de quadros superiores nas instituições públicas que os não tinham e que deles necessitavam para prosseguir o desenvolvimento nacional que os políticos tinham delineado. Os habilidosos ─ alguns deles bastantes competentes ─ que até aí ocupavam alguns dos referidos lugares não deixaram de ser contemplados no próprio alvará:
Bem entendido porém, que não he da Minha Real Intenção excluir de modo algum aquelles Homens de talentos extraordinarios, que ainda que não sejão Graduados, possão, e mereção ser empregados em semelhantes Intendências, e Inspecções.
Com esta medida resolveu-se o problema do emprego dos matemáticos e da manutenção da Faculdade de Matemática, e aumentaram-se as competências técnicas do Reino. Uma medida inteligente que os políticos de há 200 anos souberam implementar.
Seria bom que os políticos actuais inventassem medidas imaginosas e eficazes para resolver o problema dos doutorados em Portugal. Dir-nos-ão que o mercado deve ser “rei e senhor” … Porém há excepções mesmo para aqueles que defendem e usam para benefício próprio as leis do mercado livre. Veja-se o caso dos bancos e da indústria automóvel que as leis do mercado livre condenaram à falência mas que os governos e os defensores dessas mesmas leis tentam evitar a todo o custo! …
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