Saturday, March 1, 2008

A história da ciência islâmica


Recentemente tem sido posta em causa a ideia há muito estabelecida, segundo a qual a ciência árabe começou o seu declínio fatal no séc. XII, mais concretamente, depois da morte de al-Ghazzalli ocorrida em 1111. Um importante grupo de intelectuais muçulmanos tem mostrado, com bons argumentos e provas documentais, que a ciência muçulmana se manteve viva até ao séc. XIX e que foi mesmo superior à ciência europeia até ao século XVII.
Num artigo recentemente publicado em Viewpoint, a revista dos sócios da British Society for the History of Science, Jamil Ragep defende que algumas das descobertas realizadas no mundo árabe anteciparam as grandes descobertas europeias que levaram à ciência moderna. Ragep menciona médicos e filósofos muçulmanos da segunda metade do séc. XII que exerceram uma grande influencia no estabelecimento da escolástica europeia. Relembra a continuação da tradição científica e filosófica muçulmana sob a dominação dos invasores mongóis. Realça o papel científico do grande observatório astronómico de Maragha, mandado construir por Hulagu Khan, que foi, durante séculos, o modelo de todos os observatórios no mundo islâmico, na Ásia e na Europa. Lembra que estavam adstritas aos observatórios muçulmanos escolas e bibliotecas, onde se juntavam professores e alunos e onde se discutiam os sistemas astronómicos antigos incluindo o heliocêntrico, proposto muito mais tarde no ocidente por Copérnico. Cita o nome de Ali Qushij (séc. XV), um pioneiro das ideias científicas modernas, que teve um impacto decisivo no pensamento de Copérnico e de outros astrónomos europeus.
Depois de al-Ghazzalli, também as matemáticas continuaram a ser estudadas no mundo muçulmano, tendo sido estabelecidos com uma precisão de 15 casas decimais os valores de p e de sen(1º). A anatomia desenvolveu-se a tal ponto que se conseguiu descobrir o sistema circulatório entre o coração e os pulmões muito antes de William Harvey. Os padrões quase cristalinos que Penroese inventou no século XX, tinham sido desenhados nas paredes do santuário Darb-i Imam em Isfahan no século XV. Até ao séc. XIX continuaram a produzir-se no mundo islâmico milhares de textos científicos e filosóficos, que se encontram actualmente em muitas bibliotecas do mundo inteiro, revelando alguns deles uma actividade criativa notável tanto no que respeita aos estudos teóricos como às aplicações.
Perante tantas evidências, perguntar-se-á por que razão o mundo ocidental negligenciou e menosprezou a actividade científica do mundo islâmico? A resposta de Ragep é clara: preconceitos e razões políticas.
Na cultura ocidental, instalou-se a falsa ideia de que os muçulmanos tinham virado as costas à racionalidade e à ciência, por causa do predomínio dos teólogos conseguido após uma luta que tinham iniciado contra os filósofos no século XII. De acordo com esta ideia, as ciências naturais teriam ficado submetidas ao fanatismo e à irracionalidade dos dogmas da teologia. Mais, com base em argumentos racistas surgidos depois do séc. XVIII, os muçulmanos não teriam podido acompanhar a ciência moderna porque tanto árabes como semitas seriam inaptos para o pensamento abstracto.
Estes argumentos teriam assim justificado a actividade política do ocidente face ao mundo islâmico. Desde os tempos coloniais até hoje, tem sido uma constante da política europeia tentar moldar o mundo muçulmano à forma de vida ocidental, na convicção de que o islamismo seria incapaz de produzir dentro de si as sementes da mudança para a modernidade.
Os referidos intelectuais muçulmanos estão convictos que a religião islâmica não tem qualquer incompatibilidade com a ciência e que, é possível o desenvolvimento da ciência e da modernidade, dentro da sua religião e cultura, da mesma forma que o foi no interior das sociedades cristãs durante e após o século XVII.
É de lembrar porém que, no ocidente, passaram séculos até ao reconhecimento efectivo da ciência pela religião. Se quiserem entrar na modernidade, os muçulmanos terão que fazer o mesmo, mas muito mais depressa.

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