Saturday, February 23, 2008

Sphaera Mundi


Há, de quando em vez, momentos de excepcional revelação que têm a virtude de derrubar velhas ideias, estabelecidas há séculos. Uma destas revelações ocorreu na inauguração da exposição Spaera Mundi, que pode ser admirada na Biblioteca Nacional em Lisboa e que foi organizada por Henrique Leitão, um dos mais ilustres historiadores da ciência portuguesa, cujo mérito científico é unanimemente reconhecido tanto nacional como internacionalmente.
Esta exposição de manuscritos mostra, de forma clara, que as ciências matemáticas foram ensinadas por matemáticos jesuítas portugueses e estrangeiros, muito competentes, na Aula da Esfera do colégio jesuíta de Santo Antão de Lisboa, de 1590 a 1759. A referida exposição derruba definitivamente o mito de que Portugal, desde a perda da independência até à reforma pombalina, vivera no mais completo obscurantismo no que respeita às ciências matemáticas (a matemática propriamente dita, a astronomia, a hidráulica, a engenharia militar, as técnicas de navegação e a óptica). Mais, esta exposição mostra que os jesuítas ─ acusados de serem a principal causa do atraso científico português pelo Marquês de Pombal, pelos seus sequazes e posteriormente por várias gerações de historiadores até meados do séc. XX ─ foram de facto os únicos que em Portugal combaterem o obscurantismo matemático. No nosso país, a Aula da Esfera ─ frequentada por alunos do colégio e alunos externos ─ foi afinal o único local onde se ensinava e podia aprender matemática de qualidade europeia, durante 170 anos. Após o encerramento da Aula da Esfera, que ocorreu na sequência da expulsão dos jesuítas ordenada pelo Marquês, Portugal teve que esperar décadas para que o ensino da matemática se aproximasse da qualidade que tinha tido na Aula da Esfera.
A exposição Spaera Mundi não dá porém uma resposta explícita à questão que o Prof. Henrique Leitão colocou à numerosa assistência que se encontrava na inauguração da exposição: porque razão aos jesuítas cultivavam a matemática e promoviam o seu ensino?
Sabe-se (até prova em contrário!...) que, embora alguns jesuítas cultivassem as ciências modernas surgidas no século XVII, não promoviam activamente o seu ensino. O caso da física experimental é paradigmático. Enquanto que nos colégios jesuítas ainda se ensinava a física de Aristóteles, já se ensinava aquela nova ciência nos colégios dos oratorianos.
Parece-me que a resposta à questão do Prof. Henrique Leitão se poderá procurar no conceito de utilidade, que se enquadrava perfeitamente no espírito pragmático do jesuíta. A matemática era útil na astronomia para determinar a data da Páscoa, para a orientação em terra e no mar, e para a missionação da China. Era útil nas várias áreas da engenharia para resolver problemas de hidráulica, balística e fortificações. Era também útil para resolver problemas de óptica perspectivista e instrumental.
Por outro lado, para que servia a física experimental até meados do século XVIII ? Para nada, literalmente!… Era apenas uma curiosidade para divertir a corte e algumas pessoas curiosas ou ociosas.
A polémica envolvendo a teoria de Copérnico revela igualmente a atitude utilitarista dos jesuítas. Para quê abraçar e ensinar uma nova teoria alternativa, mais ou menos fantasiosa, que não trazia nada de útil e, para além disso, punha em causa afirmações claras da Sagrada Escritura?…

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