Wednesday, January 2, 2008

A Aritmética binária ou diádica


A aritmética binária ou diádica poderá ter origens remotas, mas a sua formulação explícita e rigorosa foi feita por Leibnitz em 1702 numa comunicação à Academia de Ciências de Paris com o título Explication de l'Arithmétique Binaire e que aparece publicada em Histoire de l’Academie Royal des Sciences, Anné 1703. Nesta última publicação surge ainda um comentário à memória de Leibnitz intitulado Nouvelle Arithmetique Binaire:

O Sr. Leibnitz depois de ter estudado a mais simples e a mais curta de todas as progressões possíveis[para bases aritméticas], que é aquela que termina em Dois, achou-a muito rica e muito abundante nessas espécies de propriedades acidentais. Ele não terá em toda a sua aritmética senão dois caracteres 0 e 1. O zero terá a poder de multiplicar todos por Dois, da mesma forma que na aritmética ordinária ele multiplica todos por Dez. 1 será um, 10 dois, 11 três, 100 quatro, 101 cinco, 110 seis, 111 sete, 1000 oito, 1001 nove, 1010 dez. etc., o que está inteiramente fundamentado nos mesmos princípios que as expressões da Aritmética vulgar.
É verdade que esta aritmética será muito incómoda, pela enorme quantidade de caracteres que necessita, mesmo para números muito pequenos. Por exemplo, precisa de quatro caracteres para exprimir o oito, que nós exprimimos por um único. Também o Sr. Leibnitz não pretende fazer passar a sua Aritmética para o uso popular; ele diz apenas que, para investigações difíceis, ela terá vantagens que a outra não tem e conduzirá a especulações mais elevadas.

Também o próprio Leibnitz enumera, na sua memória, algumas vantagens da nova aritmética:

Mas o cálculo por Dois, isto é por 0 e por 1, recompensa a sua extensão; é mais fundamental para a ciência e proporciona novas descobertas de utilidade imediata para a prática dos números e sobretudo para a Geometria; e a razão é que os números estando reduzidos aos princípios mais simples, como 0 e 1, parece por toda a parte uma ordem maravilhosa.

O autor do comentário retira da memória de Leibnitz uma história envolvendo a inscrição antiga descoberta pelo Pe. Bouvet, um jesuíta missionário na China, a qual continha uma escrita codificada com mais de 4 mil anos. Esta inscrição era constituída por segmentos de recta contínuos e interrompidos. Em 1701 ─ depois de ter conhecimento da aritmética binária que o próprio Leibnitz lhe tinha comunicado ─ o Pe. Bouvet interpretou aqueles símbolos de acordo com a referida aritmética, atribuindo o símbolo 1 aos segmentos contínuos e o símbolo 0 aos interrompidos, e mostrou que eram equivalentes aos números da aritmética vulgar. Se esta interpretação estiver correcta, o imperador Fohi, fundador das ciências na China, terá precedido Leibnitz na invenção da aritmética binária.
No comentário à memória de Leibnitz, é ainda revelado que o Sr. De Lagni, um professor de Hidrografia em Rochefort ─ que aparentemente não teve conhecimento dos trabalhos de Leibnitz ─ tentava explorar as capacidades da aritmética binária para simplificar as operações de multiplicar e dividir. Sobre esta questão, De Lagni escreveu um artigo, divulgado em Rochefort, e enviou uma memória à Academia de Ciências de Paris. Na opinião deste professor, as operações de multiplicar e dividir feitas com os logaritmos não eram suficientemente credíveis. Ele detectara defeitos e inconvenientes nos logaritmos para os quais não achava outro remédio senão utilizar uma aritmética binária, pois “na aritmética binária as multiplicações e as divisões fazem-se necessariamente por adições e subtracções”, natural e directamente, sem os procedimentos artificiais ligados ao cálculo logarítmico.

Apesar das reservas de De Lagni, os logaritmos continuaram a merecer a preferência dos matemáticos e operadores até há bem poucos anos. Só na segunda metade do século XX, e depois de ter sido adoptada nos computadores, a aritmética binária foi destronando de forma definitiva os logaritmos. Hoje, ninguém recorre às tábuas de logaritmos para fazer contas; utilizamos a máquina de calcular que realiza todas as operações com a aritmética binária. Em face da indispensabilidade dos computadores modernos para o avanço científico, poderemos concluir que Leibnitz tinha razão ao afirmar que esta aritmética ─ mais tarde aperfeiçoada por Boole (1815-1864) ─ era fundamental para a ciência.

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