Sunday, November 18, 2007

Divulgação científica em Portugal ─ tentativas falhadas


Ao longo da História, a sociedade portuguesa tem manifestado pouco interesse pela ciência e, consequentemente, não tem usufruído dos meios de promoção cultural, postos à sua disposição, como é o caso das revistas de divulgação científica.
José António de Sousa Moreira conta-nos a tentativa falhada do lançamento de uma revista de divulgação de astronomia no Porto, no último quartel do século XIX:
Mas eu creio mesmo que o povo pouco interesse dedica a trabalhos que visem á sua instrucção.
Eu, que vou vivendo á sombra do meu nada, descontente pella indifferença que vejo consagrar ás cousas mais uteis e elevadas, concebi um dia a loucura de publicar uma revista de astronomia popular intitulada «Viagens ás terras do céo», que annunciei como poude, prestando-me ainda assim bons serviços para a propaganda a illustrada imprensa d’esta cidade, que para logo comprehendeu a alta importancia da publicação.
A tal revista a effectuar-se, diz-m’o a consciencia, que não preencheria de certo o fim proposto, mas enfim era uma tentativa arrojada no meio egoista e indifferente que nos vae matando para tudo que se eleve um pouco acima da materialidade do commercio indigena, que só conhece as libras esterlinas pondo de parte as estrellas… Pois em pouco tempo o desalento invadiu-me e eu lamentei o mau êxito da tentativa. E sabem porque? Porque só me vieram expontaneamente, imaginem quantas assinaturas: ─ três!! Com tão bons elementos poder-se-hia encetar a publicação? É de gratidão mencionar os nomes dos cavalheiros que pretenderam auxilial-a; foram os exc.mos snrs. Domingues Alexandrino da Silva, desta cidade, o administrador do concelho d’Almada e José Ribeiro Pinto, telegraphista de Amarante. Dos 500:611 individuos que sabem lêr, segundo a estatística moderna, só três assignaram!... Mas ainda não desesperei de vêr a lume a publicação, quando for outra a orientação do ensino popular e se generalisar mais a noticia n’ella… lá para a era de 2:000.
Nessa mesma época ─ quando era muito intensa a actividade editorial de divulgação científica nos principais países da Europa e nos E.U.A. ─ também os estudantes universitários portugueses pareciam desinteressar-se pela cultura científica, não destoando da sociedade em que se integravam. Havia, naturalmente, excepções, que apenas confirmavam a regra …
É paradigmático o caso da revista O PantheonRevista Quinzenal de Sciencias e Lettras do Porto, que era dirigida por José Leite de Vasconcelos e Mont’Alverne de Sequeira quando ainda eram estudantes da Escola Médico-Cirúrgica e na qual colaboraram mais alguns estudantes. Esta revista, destinada ao público académico, teve uma vida efémera: apareceu em Novembro de 1880 e acabou em Outubro de 1881. No último número, o 24º, o director-proprietário Montalverne de Sequeira queixava-se do facto de terem sido "os estudantes portuenses, nossos collegas, os assassinos d'esta revista, e os culpados de não termos alargado mais a area dos nossos desejos para o desenvolvimento d'esta modestissima publicação". Fundamentava esta acusação no desinteresse dos colegas que a não assinavam. Acusava-os ainda "da modorra que os inhibe de fazer outra coisa, que não seja decorar os livros da aula".
Já ultrapassámos o ano 2000 apontado por José António de Sousa Moreira como o ano da esperança. Após 120 anos, será que mudou alguma coisa na sociedade portuguesa e no meio estudantil universitário? …

No comments: