Há 100 anos havia uma única universidade em Portugal ─ a velha Universidade de Coimbra. Os alunos e os jovens candidatos a doutores e a professores, mais progressistas, queixavam-se que a Universidade ainda funcionava como nos tempos da Reforma Pombalina (1772), sem que os ventos do progresso que varreram o século XIX tivessem tido sobre ela qualquer efeito benéfico... Os juramentos religiosos mantinham-se desde há séculos, a prepotência dos lentes continuava a dominar a vida académica e as matérias ensinadas eram cada vez mais inúteis …
A “injusta” reprovação, nos actos de doutoramento, do licenciado em direito José Eugénio Ferreira ─ aparentemente por causa do “seu feitio independente” que “nunca em baixezas rastejara ante a catedra” ─ causou nos estudantes de Coimbra uma forte reacção de descontentamento.
Este acontecimento, ocorrido a 1 de Março, foi a gota de água que originou as manifestações estudantis tanto contra os lentes (particularmente os de Direito) como contra o próprio sistema de ensino. A primeira manifestação surgiu mal os estudantes souberam da reprovação do referido licenciado e, de imediato, a exigência de reformas radicais se tornou a palavra de ordem.
Esta manifestação, espontânea, percorreu a cidade e continuou pela “Estrada da Beira” até à residência do “injustiçado”, que discursou, exigiu reformas radicais para a Universidade, transformando-se assim em herói e paladino da “moderna tendência do ensino”. Nessa mesma noite, a reunião estudantil ─ que tomou a forma de assembleia geral ─ continuou no Ginásio, e nela se decidiu organizar uma manifestação de protesto a ter lugar no dia seguinte dentro das instalações da Universidade. Os lentes, que entravam para dar as suas aulas, foram brindados com “Fora! Fora!” e, muito provavelmente, com outros “mimos” menos inocentes e decentes…
Perante estes inéditos e graves acontecimentos, a Universidade interrompeu as aulas e pouco depois fechava-as oficialmente. Os estudantes foram obrigados a deixar a cidade e a manterem-se afastados fora de perímetro de alguns quilómetros. Decidiram então dirigir-se para Lisboa com o objectivo de ouvir, no Ateneu Comercial de Lisboa, uma conferência de Teófilo Braga realizada a 11 de Março. Na opinião dos estudantes, este ilustre académico teria sido igualmente injustiçado pelos lentes. Da capital, regressaram às suas terras, dado que, por ordem da Universidade, não podiam voltar a Coimbra. Mesmo assim, alguns tentaram furar o cerco; foram seguidos, presos e, encarcerados durante alguns dias como autênticos malfeitores.
Realizaram-se comícios no Porto e em Lisboa durante este período de suspensão de aulas. Outras escolas superiores se alvoroçaram. Os processos disciplinares contra os estudantes mais activos decorriam aceleradamente e, como consequência, alguns deles foram expulsos da Universidade por períodos que chegaram a atingir os dois anos. Foi o caso do anarquista Campos Lima, que nos conta as peripécias desta luta estudantil no livro A Questão da Universidade (Depoimento d’um estudante expulso), publicado na Livraria Clássica Editora de Lisboa no mesmo ano de 1907.
Na sequência destes acontecimentos o jovem lente republicano Bernardino Machado demitiu-se em 17 de Abril. Finalmente, a Universidade foi reaberta a 23 de Maio para a realização de exames, a grande maioria dos estudantes cedeu à pressão e o vetusto e contestado sistema de ensino manteve-se forte como sempre. Só a República o conseguiu eliminar... O parlamento e o governo, onde legislavam muitos ex-alunos de Coimbra, criaram duas novas universidades ─ a de Lisboa e a do Porto… contra a vontade dos lentes de Coimbra, naturalmente! ...
Tuesday, November 27, 2007
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