Numa época em que ainda persistia a ideia da incompatibilidade entre a religião e a ciência, o padre portuense Amadeu Cerqueira de Vasconcelos (1878-1952) foi capaz de conciliar as actividades de divulgador científico com as de apologista do catolicismo, lutando assim contra “a apregoada antinomia entre a sciencia e a fé”.
Amadeu de Vasconcelos era filho de um professor primário, Lionídio Cerqueira de Vasconcelos, que foi director e proprietário do Campeão Escolar, um jornal fundado em 1904, um baluarte na defesa dos interesses dos professores primários e da educação, em geral, e uma voz crítica das políticas de ensino primário em Portugal.
Amadeu de Vasconcelos viveu longos períodos da sua vida em Paris e aí escreveu e publicou vários dos seus livros e artigos ─ em Português e Francês ─ em prol da ciência, contra a maçonaria e a favor do catolicismo e de um nacionalismo original. Como se pode ler na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira este padre “tratou os mais variados assuntos culturais, artísticos, políticos e doutrinários com inegável brilho e grande competência”. Foi director do jornal católico Novidades, durante 14 anos e em 1948 professou na Ordem Beneditina com o nome de Padre Amadeu de Nossa Senhora. Recolheu-se então ao Convento de Singeverga tendo colaborado intensivamente no Mensageiro de S. Bento ─ Revista Beneditina e Missionária, que iniciou a publicação em 1948. No primeiro artigo que escreveu nesta revista, em Dezembro de 1949, intitulado Portugal Arauto do Evangelho e da Ciência, defendia o pioneirismo de Portugal na criação da ciência moderna, uma tese que preparava e que veio a apresentar, por intermédio da Sociedade de Geografia de Lisboa, num congresso internacional de geografia realizado em 1952, em Washington. Nos restantes artigos que publicou no Mensageiro de S. Bento tratou apenas temas relacionados com a história e a actividade religiosa ou missionária da sua ordem.
Para além de um escritor prolífico, O padre Amadeu de Vasconcelos foi crítico severo da sociedade civil e eclesiástica do seu tempo.
Para além de um escritor prolífico, O padre Amadeu de Vasconcelos foi crítico severo da sociedade civil e eclesiástica do seu tempo.
No Porto, teve acesas polémicas com as autoridades episcopais, os professores do seminário, o secretário do bispo e o próprio bispo. As agressões verbais e escritas chegaram a tal ponto que o secretário episcopal o padre Manuel Pereira Lopes ─ um jovem arrogante e pedante, acabado de regressar de Roma com um doutoramento em Teologia ─ prometeu ajustar contas com o incómodo padre ameaçando “partir-lhe a cara em plena rua”. A ameaça, prometida e muito anunciada, concretizou-se no dia 2 de Julho de 1907. O próprio bispo D. António Barroso rematou a agressão física com uma agressão moral: “uma pena de suspensão de 30 dias”, que foi muito criticada nos jornais da época e que reforçou o sentimento anti-clerical que então existia no Porto e em quase todo o país. O padre Amadeu de Vasconcelos não se resignou com tais humilhações, como o demonstram os vários artigos, que publicou na imprensa, e os manuscritos, que tencionava publicar em 1908 e nos quais revela dramaticamente a sua revolta contra o “cynismo” do bispo e o “pedantismo” do seu secretário “bruta-montes”.
Muitos foram os assuntos que abordou na sua extensa obra escrita. Publicou livros de crítica social, política, filosófica e religiosa: A Universidade Antagónica do Espírito Moderno (compilação de 7 artigos saídos em A Voz Publica, 1908), A Mentalidade dos Livres Pensadores Portugueses (cartas, 1912), Os Meus Cadernos (publicação semanal/quinzenal, 1913-16, 1919, 1923-25) ─ obra esta que influenciou o movimento nacionalista do integralismo lusitano, embora tivesse criticado António Sardinha em O Nacionalismo Rácico do Integralismo Lusitano (1917) ─, A Vida Intelectual de Paris (quinzenal, 1922), Paris: Rempart de l'Esprit Quand Même (1941), Fim da Civilização Ocidental e Nascimento da Civilização Ecuménica (1942), L’Age Maçonnique, Idade Maçónica (1943), O sr. Júlio Dantas : Rosseau e "os Seus Cadernos" (1945).
No que respeita à divulgação científica, a sua actividade foi igualmente notável. Publicou vários livros, panfletos e artigos que contribuíram certamente para elevar o nível da cultura científica portuguesa. Podem ler-se alguns dos seus artigos em jornais como o Campeão Escolar, O Bem Publico e A Voz Publica. Entre os seus livros contam-se três volumes do Anno Scientifico e Industrial referentes aos anos de 1903, 1904 e 1905, publicados respectivamente em 1904, 1905 e 1906, O Radium (1907), A Telegrafia sem Fio (1907), A Aerostação (1908), A Aviação (1909), A Conquista dos Pólos (1910), Os Cometas (1910), Qual é a Forma da Terra (1915), O Ar Liquido e Os Submarinos (1916). Foi director e redactor único de revistas de divulgação científica como Universo (quinzenal, 1909) e Sciencia para Todos (1910, 1925). Escreveu ainda livros didácticos que foram adoptados no ensino oficial: Lições Praticas de Sciencias Naturaes, Noções de Physica (em colaboração com Eduardo Ferreira dos Santos Silva, 1906) e Lições Practicas de Physica (1919). Todas estas obras tiveram várias edições.
O padre Amadeu de Vasconcelos, que também usou os pseudónimos Mariotte e Remy Lusol, era um homem recto, conservador, nacionalista, defensor da verdade e, nas sua próprias palavras, “desconhecia a cobardia”. A ciência ─ cujo objectivo único é a busca da verdade ─ encontrou nele um divulgador notável merecendo por isso todo o nosso respeito e admiração.
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