Em todas as religiões, os milagres têm constituído o maná de que se alimentam muitos crentes para manter viva a sua fé. Não estranha pois que as hierarquias religiosas tenham criado alguns milagres ou sancionado aqueles que o povo crente foi forjando, por mais absurdos que pudessem parecer.
A partir do século XVIII, o âmbito e a natureza dos milagres foi-se estreitando, pois a ciência moderna foi eliminando muitos dos milagres ao encontrar para eles uma explicação racional. Os que envolvem fenómenos da Natureza, como o “Sol bailante” de Fátima, tornaram-se mais raros, mas as curas milagrosas continuam a ocorrer com grande frequência e continuam a ser divulgadas com destaque na comunicação social. É o caso da mulher paralítica que começou a andar depois de ter evocado Jacinta e Francisco Marto ─ milagre que valeu aos pastorinhos de Fátima a beatificação; é a cura inexplicável de uma freira francesa que sofria de Parkinson, ocorrida exactamente dois meses após a morte João Paulo II ─ o que constitui uma séria prova da santidade deste papa; e são ainda mais 12 possíveis milagres, realizados pela intervenção do mesmo papa, que estão a ser investigados e que poderão ser a justificação para a sua meteórica canonização.
Muitos abusos foram provavelmente cometidos por todas as hierarquias religiosas com o objectivo de robustecer a fé dos seus crentes, mas actualmente a Igreja católica, com alguma prudência, só reconhece um milagre quando a ciência se diz incapaz de o explicar. Perante a incapacidade científica para encontrar uma justificação para um acontecimento devidamente enquadrado na esfera religiosa, a Igreja declara-o como milagre… Como a inexistência de uma explicação racional não valida necessariamente o milagre, é bom clarificar que a decisão da Igreja continua a basear-se em razões estranhas à ciência.
Um milagre é definido como um acontecimento que foge às leis que regulam o funcionamento da Natureza. Só uma entidade superior a ela─ o próprio Deus, segundo os crentes ─ poderá alterar essas leis. Assim sendo, um Santo ao fazer um milagre limita-se e intervir como intermediário entre o suplicante e Altíssimo. De acordo com o cardeal Saraiva Martins, prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, um milagre “é uma espécie de selo que Deus põe e com o qual garante a santidade de determinada pessoa; mas é sempre Deus quem faz o milagre”.
Com os movimentos racionalistas do século XVIII, a verdade dos milagres, mesmo que oficialmente reconhecidos pela Igreja, foi seriamente contestada e muitos se manifestaram contra a possibilidade da sua existência. Porém, acreditar em milagres é, ainda nos nossos dias, um sinal de fé e, para muitos crentes, quem neles não acredita é infiel, agnóstico ou ateu. Porém, existiram sempre alguns crentes em Deus, e na religião católica em particular, que mostraram profundas reservas sobre a possibilidade, tanto física como teológica, da ocorrência de milagres.
Para os que acreditam num Deus criador e interventor, o milagre é tão possível como qualquer outro acontecimento; para os ateus ou agnósticos, o milagre é um acontecimento totalmente improvável, pois acreditam que a natureza se rege por leis rígidas e bem estabelecidas e não poderá modificá-las a seu bel-prazer ou perante a pressão ou o desejo de alguém por mais poderoso que seja. Para estes, um acontecimento que não tenha uma explicação racional é apenas a manifestação do limitado conhecimento que temos da Natureza. Embora seja uma posição maioritária entre homens sem fé, esta opinião tem sido igualmente defendida por homens religiosos. Entre estes últimos conta-se um homem notável que se chamou Pedro Amorim Viana (1822-1901) que, a respeito da sua fé, declarava o seguinte:
Crêmos que de todas as religiões santas e veneraveis mais ou menos inspiradas por Deus, é a religião christã a mais augusta e pura: ─ cremos que de todas as seitas christãs, é a catholica a que nos offerece mais garantias de duração. Temos fé nas promessas de Christo; Deus não póde frustrar as esperanças ás quaes o seu filho predilecto votou a mais preciosa vida que tem apparecido sobre a terra.
Amorim Viana nasceu em Lisboa e morreu em Setúbal. Formou-se como bacharel em Matemática na Universidade de Coimbra, foi nomeado em 1851 lente substituto de Matemática na Academia Politécnica do Porto e promovido a proprietário da 2ª cadeira em 1858. Por causa da sua grande inteligência e pouca sociabilidade, teve na Academia uma vida conturbada, com incidentes envolvendo a hierarquia académica, os colegas e os próprios alunos. Escreveu alguns artigos científicos da sua especialidade, fundou no Porto a revista “A Peninsula” em 1852 e colaborou em vários jornais. Publicou em 1866 uma obra anónima e polémica A Defesa do Racionalismo ou Análise da Fé, que lhe deu um estatuto de grande proeminência na filosofia portuguesa de oitocentos. Da 3ª edição ─ na qual consta já o nome do autor ─ retirámos algumas interessantes passagens sobre a questão dos milagres:
A sabedoria e a coherencia da intelligencia suprema revelar-se-hão portanto na inalterabilidade das leis naturaes, que nunca poderão ser violadas. Ora o milagre é sempre uma violação d’essas leis. […] De ser o milagre transgressão das leis naturaes que se não podem transgredir, fica rigorosamente demonstrada a impossibilidade dos milagres.[…]
O milagre existe como existe o mal, como existe o erro, a ignorância e a superstição; não é obra de Deus, é producto espontâneo da imaginação humana.
Amorim Viana deixou na sua obra muitos argumentos para fundamentar os seus pontos de vista de católico progressista. Passaram cerca de 150 anos após a publicação das opiniões “racionalistas” deste matemático filósofo, e a Igreja católica continua a propalar a superstição dos milagres tentando justificá-los agora com a ignorância da ciência.
Pedro Amorim Viana sentir-se-ia certamente muito desapontado se pudesse observar, do local onde sempre acreditou poder viver eternamente, a superstição dos milagres ... É que Deus não precisa de milagres para manifestar o seu poder.
A partir do século XVIII, o âmbito e a natureza dos milagres foi-se estreitando, pois a ciência moderna foi eliminando muitos dos milagres ao encontrar para eles uma explicação racional. Os que envolvem fenómenos da Natureza, como o “Sol bailante” de Fátima, tornaram-se mais raros, mas as curas milagrosas continuam a ocorrer com grande frequência e continuam a ser divulgadas com destaque na comunicação social. É o caso da mulher paralítica que começou a andar depois de ter evocado Jacinta e Francisco Marto ─ milagre que valeu aos pastorinhos de Fátima a beatificação; é a cura inexplicável de uma freira francesa que sofria de Parkinson, ocorrida exactamente dois meses após a morte João Paulo II ─ o que constitui uma séria prova da santidade deste papa; e são ainda mais 12 possíveis milagres, realizados pela intervenção do mesmo papa, que estão a ser investigados e que poderão ser a justificação para a sua meteórica canonização.
Muitos abusos foram provavelmente cometidos por todas as hierarquias religiosas com o objectivo de robustecer a fé dos seus crentes, mas actualmente a Igreja católica, com alguma prudência, só reconhece um milagre quando a ciência se diz incapaz de o explicar. Perante a incapacidade científica para encontrar uma justificação para um acontecimento devidamente enquadrado na esfera religiosa, a Igreja declara-o como milagre… Como a inexistência de uma explicação racional não valida necessariamente o milagre, é bom clarificar que a decisão da Igreja continua a basear-se em razões estranhas à ciência.
Um milagre é definido como um acontecimento que foge às leis que regulam o funcionamento da Natureza. Só uma entidade superior a ela─ o próprio Deus, segundo os crentes ─ poderá alterar essas leis. Assim sendo, um Santo ao fazer um milagre limita-se e intervir como intermediário entre o suplicante e Altíssimo. De acordo com o cardeal Saraiva Martins, prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, um milagre “é uma espécie de selo que Deus põe e com o qual garante a santidade de determinada pessoa; mas é sempre Deus quem faz o milagre”.
Com os movimentos racionalistas do século XVIII, a verdade dos milagres, mesmo que oficialmente reconhecidos pela Igreja, foi seriamente contestada e muitos se manifestaram contra a possibilidade da sua existência. Porém, acreditar em milagres é, ainda nos nossos dias, um sinal de fé e, para muitos crentes, quem neles não acredita é infiel, agnóstico ou ateu. Porém, existiram sempre alguns crentes em Deus, e na religião católica em particular, que mostraram profundas reservas sobre a possibilidade, tanto física como teológica, da ocorrência de milagres.
Para os que acreditam num Deus criador e interventor, o milagre é tão possível como qualquer outro acontecimento; para os ateus ou agnósticos, o milagre é um acontecimento totalmente improvável, pois acreditam que a natureza se rege por leis rígidas e bem estabelecidas e não poderá modificá-las a seu bel-prazer ou perante a pressão ou o desejo de alguém por mais poderoso que seja. Para estes, um acontecimento que não tenha uma explicação racional é apenas a manifestação do limitado conhecimento que temos da Natureza. Embora seja uma posição maioritária entre homens sem fé, esta opinião tem sido igualmente defendida por homens religiosos. Entre estes últimos conta-se um homem notável que se chamou Pedro Amorim Viana (1822-1901) que, a respeito da sua fé, declarava o seguinte:
Crêmos que de todas as religiões santas e veneraveis mais ou menos inspiradas por Deus, é a religião christã a mais augusta e pura: ─ cremos que de todas as seitas christãs, é a catholica a que nos offerece mais garantias de duração. Temos fé nas promessas de Christo; Deus não póde frustrar as esperanças ás quaes o seu filho predilecto votou a mais preciosa vida que tem apparecido sobre a terra.
Amorim Viana nasceu em Lisboa e morreu em Setúbal. Formou-se como bacharel em Matemática na Universidade de Coimbra, foi nomeado em 1851 lente substituto de Matemática na Academia Politécnica do Porto e promovido a proprietário da 2ª cadeira em 1858. Por causa da sua grande inteligência e pouca sociabilidade, teve na Academia uma vida conturbada, com incidentes envolvendo a hierarquia académica, os colegas e os próprios alunos. Escreveu alguns artigos científicos da sua especialidade, fundou no Porto a revista “A Peninsula” em 1852 e colaborou em vários jornais. Publicou em 1866 uma obra anónima e polémica A Defesa do Racionalismo ou Análise da Fé, que lhe deu um estatuto de grande proeminência na filosofia portuguesa de oitocentos. Da 3ª edição ─ na qual consta já o nome do autor ─ retirámos algumas interessantes passagens sobre a questão dos milagres:
A sabedoria e a coherencia da intelligencia suprema revelar-se-hão portanto na inalterabilidade das leis naturaes, que nunca poderão ser violadas. Ora o milagre é sempre uma violação d’essas leis. […] De ser o milagre transgressão das leis naturaes que se não podem transgredir, fica rigorosamente demonstrada a impossibilidade dos milagres.[…]
O milagre existe como existe o mal, como existe o erro, a ignorância e a superstição; não é obra de Deus, é producto espontâneo da imaginação humana.
Amorim Viana deixou na sua obra muitos argumentos para fundamentar os seus pontos de vista de católico progressista. Passaram cerca de 150 anos após a publicação das opiniões “racionalistas” deste matemático filósofo, e a Igreja católica continua a propalar a superstição dos milagres tentando justificá-los agora com a ignorância da ciência.
Pedro Amorim Viana sentir-se-ia certamente muito desapontado se pudesse observar, do local onde sempre acreditou poder viver eternamente, a superstição dos milagres ... É que Deus não precisa de milagres para manifestar o seu poder.
Senhores cardeais, tenham mais respeito pela justiça e pelo poder divinos. Valorizem pelos seus méritos a vida heróica e exemplar dos católicos que aspiram à santidade. Avaliem-nos pelas suas virtudes cristãs, pela vida exemplar que tiveram e pelas obras altruístas que praticaram, mas não lhes exijam que façam milagres...
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