Saturday, March 3, 2007

O cinquentenário da televisão portuguesa

A televisão é um dos grandes avanços tecnológicos do século XX. Devido à expansão que teve em todo o mundo é, certamente, a invenção com maior impacto em termos culturais desse mesmo século.
Portugal não esteve na linha da frente deste relevante desenvolvimento tecnológico, embora se deva referir a contribuição pioneira de Adriano de Paiva (1847–1907) ─ um professor de Física da Academia Politécnica do Porto ─ para o estabelecimento dos seus primeiros fundamentos em 1878. Nem Adriano de Paiva prosseguiu os seus estudos de telescopia eléctrica ─ por desinteresse ou falta de apoio financeiro ─ nem o público português pôde usufruir da nova invenção antes 1957!... Noutros países como, por exemplo, a Inglaterra, os Estados Unidos, a Itália e a França, houve muito trabalho de investigação e desenvolvimento; as emissões televisivas, mais ou menos regulares, tiveram início nas décadas de 1920 (televisão opto-mecânica baseada no disco de Nipkow) e 1930 (televisão opto-electrónica baseada no iconoscópio), e expandiram-se particularmente depois da 2ª Grande Guerra. Apesar das limitações tecnológicas que condicionavam a qualidade das imagens, o interesse popular por esta nova forma de comunicação cresceu exponencialmente.
As imagens televisivas começaram por ser a preto e branco, tal como a fotografia, mas cedo se encontraram soluções para as imagens coloridas. A primeira patente da televisão a cores é da autoria Otto von Bronk e surgiu em 1902. Uma nova patente foi registada por Vladimir Zworykin, o inventor do iconoscópio, em 1925. Depois da primeira demonstração da televisão a cores ─ utilizando um disco de Nipkow modificado ─ realizada por Baird em 1928, surgiram as primeiras transmissões televisivas a cores, realizadas em 1929 pela Bell Telephone Laboratories entre Washington e Nova Iorque utilizando uma tecnologia baseada no processo aditivo RGB.
As novidades sobre a televisão iam chegando a Portugal, mas nada foi feito para acompanharmos os países mais desenvolvidos neste importantíssimo projecto tecnológico. Nos anos 1920 teria havido um grupo de estudantes de engenharia que decidiram construir um disco de Nipkow e montar um sistema de emissão e recepção televisivas, mas a dificuldade em conseguir o sincronismo entre o emissor e o receptor comprometeu todo o projecto. Ao longo de décadas, os enormes desafios tecnológicos da televisão desencorajaram os poucos técnicos amadores portugueses que se interessaram pelo tema. Os nossos engenheiros profissionais manifestavam, por sua vez, algumas preocupações pelo atraso em que se achava o país relativamente às novas tecnologias televisivas, discutindo-as inclusivamente nos seus congressos. Paulo de Brito Aranha exprimia-se assim no 2º Congresso Nacional de Engenharia realizado em Março 1948:

Confrontando o panorama actual das telecomunicações com os aspectos da posição portuguesa, pode sem dificuldade concluir-se que o País, duma maneira geral, está dignamente actualizado na prática das recentes descobertas da técnica. Existe, todavia, um ramo muito importante ainda não estudado nem ensaiado, a televisão, cujo difícil exercício funde as artes e as técnicas da radiodifusão e do cinema sonoro.
Um voto deve ser formulado para que o Governo não descure de futuro o capítulo da televisão, a que em breve estará universalmente reservado papel social de primeiro plano, e, com esse objectivo, nomeie desde já uma comissão de técnicos especializados encarregada de o aprofundar, tanto sob o aspecto científico como sob os aspectos experimental e económico, afim de se poderem adoptar com a possível urgência as soluções mais convenientes para o País.
É paralelamente de aconselhar que as Escolas Superiores de Engenharia ─ O Instituto Superior Técnico, a Faculdade de Engenharia do Porto e a Escola do Exército ─ desenvolvam quanto possível o estudo das correntes fracas, de modo a assegurar a complexa preparação hoje necessária para as múltiplas sub-especializações que as telecomunicações e os domínios afins imperiosamente exigem.


Apesar destas advertências, só em 1953 é que a Emissora Nacional de Radiodifusão iniciou estudos com vista ao estabelecimento de uma rede metropolitana de televisão.
Depois de se referir às notícias que circulavam sobre o futuro da televisão portuguesa e de ter anunciado “novas câmaras de televisão mais económicas e perfeitas”, um redactor da revista de divulgação científica, o Átomo, comentava nesse mesmo ano: “tais notícias permitem-nos a esperança de que num futuro próximo possamos ter a TV em Portugal”. As insistentes notícias sobre a televisão teriam levantado algumas questões na opinião pública, que o Grémio Concelhio dos Comerciantes de Artigos de T.S.F e Musicais de Lisboa se apressou a esclarecer com a publicação de um folheto intitulado “O que é e o que não é a televisão”(1953). Com uma tiragem de 20 mil exemplares este folheto tentava demonstrar as limitações da televisão relativamente à T.S.F. (a telefonia sem fios ou rádio). Nele se pode ler que “durante muito tempo a TV será no nosso País, apenas uma curiosidade científica, de que o público gostará de tomar conhecimento, mas que só raros acharão bastante interessante para justificar a aquisição dum receptor, mesmo quando se não faça objecção ao seu preço”. Revelavam os autores do folheto que esse preço não seria inferior a 10.000$00 e sublinhavam que era dez vezes superior ao preço de um rádio-receptor. A indesejada concorrência da televisão parecia estar a condicionar as opiniões críticas do Grémio lisboeta !…
A portaria nº 15609 de 19 de Setembro de 1955 fixou as normas de serviço público da televisão a preto e branco, tendo sido estabelecido que um canal deveria ter uma largura de banda de 7 MHz, que o número de linhas por imagem deveria ser 625, que o entrelaçamento deveria ser 2:1 e a frequência das imagens de 25 imagens/s.
A primeira emissão televisiva, em Portugal, foi realizada pela RTP na noite de 4 de Setembro de 1956 na Feira Popular de Lisboa tendo aí sido instalados um estúdio e cerca de 20 receptores distribuídos por vários locais. Fora do espaço da feira, houve quem recebesse estas emissões experimentais em aparelhos que previamente tinham sido vendidos na sequência de uma promoção publicitária feita nos jornais diários da época e que incluía mais de 25 marcas diferentes!...
Dado o êxito das emissões experimentais, o início de emissões regulares a preto e branco ocorreu pouco depois, em 7 de Março de 1957. A televisão a cores teve que esperar ainda duas décadas, tendo surgido entre nós apenas em 1978.
A 7 de Março deste ano de 2007, a RTP comemora, por conseguinte, os 50 anos de vida da televisão portuguesa, produzindo para isso programas especiais, com expectativas de alguma pompa e circunstância.

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