Sunday, February 18, 2007

O isolamento e a estagnação de Portugal


O isolamento constitui para qualquer nação um importante factor de atraso económico, social e cultural, pois dificulta a troca de ideias com outros povos e a vivência de novas experiências físicas e intelectuais. A História mostra-nos que todas as grandes culturas e civilizações se estabeleceram e fortalecerem pelo contacto com outros povos, pela exploração de terras desconhecidas e pelo confronto com novas experiências. O encontro com civilizações mais desenvolvidas estimulou particularmente o espírito e o engenho dos aventureiros ─ a Índia teve, sobre a cultura portuguesa, um maior impacto do que a África; a desenvolvida civilização inca exerceu, sobre os espanhóis, um maior fascínio do que os índios semi-selvagens da América do Norte.
O controlo das vias de comunicação e em particular das vias marítimas ─ que sempre foi uma importante forma de mobilidade ─ foi o segredo que transformou pequenas nações em grandes impérios. Considerem-se os exemplos do Egipto, Grécia, Fenícia e Roma na Antiguidade; o caso do império árabe na Idade Média; e os exemplos de Portugal, Espanha, Holanda, França, Inglaterra, Japão, União Soviética e Estados Unidos na Idade Moderna e Contemporânea. Do alargamento das fronteiras conseguido pela mobilidade, resultou para todos estes países o progresso económico e social e, juntamente com ele, o progresso das ciências e das artes ─ um progresso conseguido pelo relativo desafogo económico mas também pela mudança de mentalidades fruto de novas experiências.
Perdido o domínio da mobilidade marítima, muitos daqueles países tiveram que desenvolver outras formas de mobilidade que os mantivessem na via do progresso que tinham iniciado. Os povos que o não conseguiram acabaram por ver o seu desenvolvimento a desacelerar ou a regredir.
O caso português é exemplar e dramático. A “idade de ouro” nacional coincidiu com o domínio das rotas marítimas, as viagens por novas terras e o contacto com novas gentes. Regressados, os portugueses eram mais ricos, económica e culturalmente, e transformaram a sua nação num país mais próspero. Quando perdemos a mobilidade marítima, voltámos ao isolamento e à estagnação de que nunca mais saímos, porque não conseguimos criar alternativas à mobilidade perdida.
Forçosamente isolados da Europa por uma Espanha sistematicamente hostil, a ruína do poderio marítimo originou, no caso português, uma decadência muito mais dramática do que no caso de outras ex-potências. Com o isolamento posterior da própria Espanha mais isolados ficámos e, durante séculos, o que se passava fora da península era apenas conhecido através de notícias ou relatos de alguns homens privilegiados. O isolamento territorial e cultural da Península Ibérica nos séculos XVII e XVIII foi trágico porque a estagnação conduziu à regressão e, como bem referiu Ramón e Cajal, a uma espécie de enquistamento intelectual que desprezava tudo o que era estrangeiro. Tudo o que lá se produzia era considerado, por uma grande maioria dos portugueses, inatingível, inútil e nocivo, incluindo naturalmente as frutuosas ideias que se iam desenvolvendo no centro da Europa. Conseguiu-se alguma mobilidade no século XIX com as novas tecnologias de transporte e comunicação mas o enquistamento intelectual estava de tal forma entranhado nos povos peninsulares que tudo o que vinha da Europa progressista era considerado perigoso e revolucionário.
Por imposição de regimes opressores faltou à Península Ibérica a liberdade política, social e intelectual durante muitas décadas do século XX. Com o estabelecimento das liberdades cívicas a partir do último quartel do século XX, deixou de haver razões para a continuação do isolamento mental e respectivas mazelas. Na Espanha este isolamento foi ultrapassado com os consequências que conhecemos. Actualmente os nossos vizinhos preparam-se para uma nova “conquista” embora utilizando meios muito diferentes dos que utilizaram há 500 anos. Um catalizador importante desta mudança foi a reforma política concretizada por governantes e políticos de grande competência e qualidade.
Portugal, por seu lado, continua a viver num estado de apatia económico-social e cultural confrangedor, que um desajeitado governo tenta contrariar com impostos pesados, insegurança e ameaças de maiores dificuldades.
Os portugueses ainda não conseguiram (ou mereceram) ter homens de visão entre os seus governantes e dão sinais claros de não distinguirem os bons dos maus políticos. É sintomático que, num concurso televisivo de grande impacto mediático, se encontrem no grupo dos “dez portugueses mais ilustres” dirigentes de grande visão estratégica, ─ como D. João II (a quem a rainha Isabel a católica, chamava “o Homem”) e o Marquês de Pombal (de razão iluminada, nervos de aço e coração de pedra) ─ um governante provinciano e míope como Oliveira Salazar e um político mesquinho e sectário como Álvaro Cunhal!...
Apesar do deslumbramento que a muitos portugueses causa o que vem do estrangeiro continuamos a não saber destrinçar o bom do mau, optando muitas vezes pelo pior. O isolamento mental e o enquistamento intelectual dos portugueses tomaram novas formas e estão para durar…

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