Friday, January 5, 2007

A Poesia Científica


No ano de 2006 falou-se muito de Rómulo de Carvalho (1906-1997) a propósito do centenário do seu nascimento. Em 2007, deveria continuar a falar-se dele a propósito dos dez anos da sua morte.
Rómulo de Carvalho foi uma das grandes personalidades que prestigiaram a cultura portuguesa do séc. XX, tendo-se distinguido como pedagogo, historiador da ciência e também como poeta. Com o pseudónimo António Gedeão cultivou o género da poesia científica e todos nós temos na memória poemas como a “pedra filosofal” ou “lágrima de preta”…
A poesia científica, uma abordagem poética dos temas científicos, existiu desde a Antiguidade tendo sido uma forma preferencial de comunicação de muitos filósofos antigos. Hesíodo (séc. VIII a. C.), o pai da poesia didáctica grega, na sua Teogonia relaciona os mitos e os deuses, tendo descrito no início deste poema a emergência da Terra a partir do Caos. Em Os Trabalhos e os Dias descreve a vida do campo e as actividades agrícolas e a sua ligação à meteorologia e à astronomia. O filósofo e poeta romano Lucrécio (séc. I. a.C.) escreveu De Rerum Natura onde expõe a teoria atómica epicurista. As Georgias de Virgílio (70 a.C.-19 a.C.) são um poema em louvor da Natureza e da vida campestre, envolvendo conhecimentos das Ciências Naturais. Em Il Convivio (1304–7), o poeta Dante Alighieri (1265–1361) estabelece uma analogia entre as esferas celestes da cosmologia grega e as ciências cultivadas no seu tempo, exprimindo ainda as teorias cosmológicas cristãs suas contemporâneas. No século XVI, o francês Guillaume du Bartas escreveu La Sepmaine ou la création du monde, de 1578, um poema cosmológico inspirado na Bíblia, e em 1584 a Seconde Sepmaine, uma cronologia poética desde Adão até ao julgamento final. Camões escreveu belos versos n’Os Lusíadas abordando temas científicos.
Foram, porém, os poetas ingleses que no século XVII tentaram aproximar o Homem à Natureza através da poesia: John Milton (1608-1674) com L’Allegro e Il Penseroso, John Philips (1676-1709) com Cyder: A Poem in Two Books (1708) e James Thomson (1700-1748) com The Seasons (1726-30). Outros como Alexander Pope (1688-1744), Albrecht von Haller (1708-1777), Salomon Gessner (1730-1788), Jean-François de Saint-Lambert (1716-1803), Edward Young (1683-1765) e Jacques Delille (1738-1813) contribuíram para este género de poesia, onde a vida campestre, a beleza bucólica e os novos conhecimentos da Natureza eram cuidadosamente cantados.
Este movimento poético teve seguidores, mais ou menos diligentes, em Portugal. António Ribeiro dos Santos (1745-1818), o Elpino Duriense, aborda temas científicos nos poemas compilados em Poesias de Elpino Duriense. O grande poeta Bocage para além de traduzir poemas científicos, integrou elementos científicos nos seus próprios poemas. Poetas como Luís Rafael Soyé (1760-1828), utilizou a temática científica em Noites Josefinas de Mirtilo. A marquesa de Alorna, Leonor de Almeida Lorena e Lencastre (1750-1839), com pseudónimo poético de Alcipe, foi uma praticante entusiástica da poesia científica, como confirmam as suas obras poéticas compiladas e publicadas pelas filhas em 1844. Tão forte foi a sua intervenção na divulgação científica através da poesia que se afirmou, talvez com algum exagero, que “a obra de Alcipe/Leonor de Almeida merece ser aferida e evidenciada no contexto europeu do pensamento científico feminino da sua época”.
Os poemas científicos do Pe. José Agostinho de Macedo ─ A Meditação (1813) e Newton (1813), refundido e aumentado na Viagem Extática ao Templo da Sabedoria (1830) ─ são literariamente pobres, sem inspiração e sem ciência… Não é contudo unânime esta opinião, mas as constantes contradições, e sinuosidades teóricas, umas vezes defendendo outras vezes ultrajando os “filósofos modernos”, dão ao autor muito pouca credibilidade em questões de Ciência, pelo menos.
Inspirado no Système du Monde de Laplace, Soares de Passos (1826-1860) escreveu uma ode ao Firmamento (1854?) ─ considerado na época como o maior monumento poético português do séc. XIX ─ e Antero de Quental (1842-1891) uma ode As Estrelas, que teria sido escrita na Figueira da Foz em 1860 de acordo com a opinião de Teófilo Braga.
Guerra Junqueiro (1850-1923), o famoso poeta de Os Simples e de A Vida do Padre Eterno, escreveu também poemas com temática científica. A “poesia científica” de Guerra Junqueiro suscitou porém críticas opostas. Egas Moniz afirma que “a nota científica anda em «Os Simples» por toda a parte, mas tão deliciosamente disfarçada que a maior parte dos leitores nem atentam nela”. Por outro lado, José Pecegueiro declara, a propósito da ciência e da poesia, que “abundam páginas de ciência que poderiam considerar-se autênticos poemas; o que não é, evidentemente, o mesmo que afirmar a legitimidade desse monstro bicéfalo a que se deu o nome de poesia científica ─ que Junqueiro pretendeu realizar, entre nós, e que acabou por não ter sombras nem de poesia, nem de ciência […] A chamada poesia científica de Junqueiro é quase sempre zum-zum”… António Lobo Vilela afirma que “Junqueiro e Gomes Leal vislumbraram a poesia científica, embora a não tivessem cultivado”.
Dos poetas mais recentes que escreveram poesia científica é de salientar o já citado António Gedeão (Rómulo de Carvalho) e a poeta viva Regina Gouveia. Tanto Rómulo de Carvalho como Regina Gouveia licenciaram-se em Ciências Físico-Químicas pela Universidade do Porto, confirmando a ideia de que a cidade do Porto sempre foi um alfobre de excelentes poetas…

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