Sunday, January 7, 2007

Os velhos medos causados pela Ciência


Há apenas três séculos e meio, a Ciência era considerada por muitos portugueses uma actividade perigosa tanto para a alma como para o corpo.
No Sermão nas Honras do Serenissimo Principe de Portugal Dom Theodosio, que fez o reverendo cabido da Santa Sè do Porto em 28. de Iunho de 1653, pregado pelo doutor Jerónimo Ribeiro de Carvalho, lente de Sagrada Teologia da Universidade de Coimbra, pode ler-se, a propósito da morte prematura do saudoso príncipe, o seguinte:

Hum dos maiores engenhos deste seculo, advertio primeiro que eu o considerasse, bem que o tinha eu já considerado, não antes delle o ter advertido, mas antes de nelle o ter lido, advertio, que no paraiso dera frutos de morte a arvore da sciencia, & que na arvore da sciencia puzera Deos os frutos da mortalidade. De novo vos advirto eu, que no dia em que se come a sciencia, se comeo a morte. […] Se se não morre na mesma hora em que se come a sciencia, moresse no mesmo dia; não podem os sabios contar dous dias bõs, hum em que saibam, outro em que vivão, nem ainda hum em que vivão, & saibão, se não, que já não vivem no dia em que sabem no dia em que alcanção a sciencia, nesse dia os alcãça a morte. Todas as cousas comidas sabem ao que são: a sciencia comida sabe á morte, sabe ao que não he, se he de sciencia o mãjar, he da morte o sabor; come se sciencia, gostase morte. A arvore da sciencia, era da sciencia do bem, & mal, porque no mesmo pomo se comia o bem da sciencia, & o mal da morte. Lá comeo o Propheta Evangelico em seu Apocalypse hũm volume, & amargoulhe no estomago: amaricatus est venter meus. Comei lá os livros, que ao comer dos livros, se seguem amarguras de morte. […] Antipatias tem entre si a sciencia, & a vida. […]. Se tomastes o atalho da sciencia, ahi achareis hũ spiritu [querubim] sabio, que vos atalhe a vida[…]. Vem a ser o melhor remédio pera viver muito o entender pouco: que vitaes saõ os nescios! Que mortaes os entendidos! Como vi Theodosio muito entendido, logo o sospeitei muito mortal, a sua muita discrição lhe foi julgada mui pouca vida.

Ser ou querer ser sábio foi a razão da morte prematura do príncipe Teodósio… Com tão grande evidência da incompatibilidade entre ciência e vida, qual dos ouvintes e leitores do teólogo da Universidade de Coimbra desejaria dedicar-se ao estudo das ciências? Na verdade, o jovem príncipe Teodósio, filho primogénito de D. João IV, morreu de tuberculose. Só não pôde salvar-se porque a Ciência ainda não tinha desenvolvido os meios terapêuticos que actualmente existem.

No comments: