Tuesday, January 9, 2007

O Espiritismo e a Ciência


O espiritismo "experimental” moderno surgiu nos Estados Unidos em 1848 após os acontecimentos “espíritas” ocorridos na casa da família Fox, em Hydesville. Após várias noite de assombramento, causado por um suposto espírito que se movia na casa da referida família, as duas filhas mais jovens do casal, Margarida e Catarina de 10 e 7 anos respectivamente, conseguiram entrar em diálogo com o barulhento hóspede em 31 de Março de 1848. Tanto os pais como os vizinhos testemunharam a comunicação estabelecida com o espírito e a paz que a partir daí reinou na casa Fox. Estas notícias despertaram uma grande curiosidade em todo o mundo tendo colocado os fenómenos espíritas no topo do interesse mediático da época. Seis anos mais tarde, em 1854 surgiu uma doutrina espírita bem elaborada, da autoria do célebre espírita francês Allan Kardec (1804-1869) que a divulgou através de livros e revistas periódicas dedicadas ao tema.
Todo o espiritismo “experimental” assenta na possibilidade de contacto com os espíritos dos mortos que, durante as sessões controladas por um médium, supostamente se manifestam sob as mais variadas formas. O aparecimento de espíritos materializados em fotografias ─ as fotografias espíritas (transcendentais, psíquicas ou espectrais) ─ foi uma das manifestações que mais polémica suscitou entre crentes e não crentes, durante algumas décadas dos séculos XIX e XX. Houve processos judiciais por burla contra fotógrafos espíritas, terminando alguns em condenações e outros em absolvições por faltas de provas. Foram organizadas comissões, constituídas por pessoas respeitadas e credíveis, que se debruçaram sobre a questão das fotografias espíritas e do espiritismo em geral.
De uma dessas comissões fez parte o físico Sir William Crookes (1832–1919), conhecido desde 1878 pelas suas experiências de descargas eléctricas em tubos onde fazia o vazio (tubos de Crookes) os quais foram usados em 1895 por Wilhelm Conrad Röntgen (1845-1923) na descoberta dos raios X.
A princípio, o que mais notabilizou o inicialmente céptico William Crookes como estudioso do espiritismo durante seis anos foi um conjunto de experiências de levitação e de materialização com a intervenção do médium Daniel Dunglas Home (1833-1886). Mais tarde Crookes notabilizou-se pelas experiências que realizou em contacto directo com o suposto fantasma feminino Katie King, materializada por intervenção da médium Florence Cook, com quem se dizia que Crookes tinha uma relação amorosa. O ilustre físico falava com Katie e tirou-lhe dezenas de fotografias algumas das quais foram publicadas na imprensa da época. As mais famosas, porém, foram as fotografias em que aparecia ao lado da fantasmagórica Katie King o próprio Crookes.
Terminadas as sessões com Katie ─ que “por razões puramente espirituais” teve de regressar definitivamente ao Além ─ William Crookes abandonou os estudos espíritas, deixando no entanto bem clara para a opinião pública a sua crença na realidade dos fenómenos espíritas. No seu livro Recherches sur les Phénomènes du Spiritism escreveu o seguinte:

Tendo-me assegurado da realidade dos fenómenos espíritas, seria uma cobardia moral recusar-lhe o meu testemunho. Após 6 anos de experiências rigorosamente científicas não digo que os fenómenos são possíveis: digo que são reais.

Esta posição de Sir William Crookes transmitiu uma grande confiança aos crentes do espiritismo mas abalou a sua credibilidade científica no meio académico mais conservador.
Perante os testemunhos de Crookes, e embora não soubesse explicar a natureza dos fantasmas, Hugo Rocha, jornalista e escritor portuense, não teve dúvidas em escrever:

Com a fácil coragem que me dá o testemunho austero de tantas sumidades e, sobretudo, daquelas cuja probidade e cuja sinceridade têm jus ao meu respeito e ao meu crédito, quero declarar que acredito na existência de fantasmas.

Embora o movimento espírita tenha tido (e continua a ter) seguidores em Portugal nunca foi um movimento muito forte e não se conhecem fotógrafos espíritas que se tivessem salientado como aconteceu noutros países. No ensaio que publicou em 1937 sob a forma de livro, com o título O Problema dos Fantasmas, Hugo Rocha não faz qualquer referência à actividade fotográfica espírita em Portugal.
A Revista do Espiritismo, ao transcrever um convite feito pela Comissão de Estudos de Fotografia Transcendental a todos os fotógrafos espíritas do mundo, publicou em 1931 o seguinte texto:

Muitos desejaremos que os nossos Confrades que se interessam por este capítulo tão interessante dos estudos metapsíquicos, como é a fotografia transcendental, incitados pelos resultados brilhantes obtidos por vezes, sigam as instruções do Comité, publicadas no numero anterior desta revista e iniciem experiências segundo essas indicações.

Ao repetir o apelo da Comissão em 1932, escreveu-se na mesma revista o seguinte:

Transcrevemo-lo, pois, certos de que, no nosso meio, ele despertará o interesse que merece, o que permitirá talvez a apresentação de alguns trabalhos portugueses àquela importante colectividade científica de que é Presidente o Dr. Foveau de Courmelles.

Na mesma revista ainda, era reproduzida, em 1933, uma entrevista, que já tinha sido publicada em 1908 na Illustração Portugueza, feita a um pioneiro do Espiritismo em Portugal, Fernando de Lacerda, onde aparecem algumas fotografias em que este espírita se encontra rodeado de vultos fantasmagóricos retratando escritores portugueses já “desencarnados” (mortos). Estas fotografias que aparecem nas duas publicações parecem não ser fotografias transcendentais genuínas mas apenas montagens fotográficas para ilustrar o texto. Mostram de forma clara como era fácil realizar fraudes fotográficas e é de admirar que ainda houvesse, entre os nossos avós, quem acreditasse na realidade dos fantasmas nelas retratados.

3 comments:

Leitor+ said...

Muito interessante! Embora relacionado com a literatura e não com a ciência, poderá haver leitores que queiram ler as memórias póstumas de Camilo Castelo Branco - "Memórias de um Suicida" - psicografadas (ou mais do que isso, como a autora afirma no início) pela médium brasileira Yvonne Pereira e publicadas em 1954, disponíveis on-line em formato PDF (basta pesquisar no Google pelo título referido). Aproveito para deixar esta sugestão ao editor d'O Holoscópio - um artigo sobre as memórias psicogravadas de gente célebre. Outra obra interessante, que eu gostaria de ler da mesma autora, tem por título "Nas telas do infinito" (que inclui um conto psicografado do Camilo) - se alguém souber o paradeiro on-line desta obra, muito agradecia essa informação.

Andrew Black said...

jmf,
Eça de Queirós Póstumo, uma obra psicografada por Fernando de Lacerda, pode ser adquirida em qualquer associação espírita portuguesa, sempre a preços de divulgação.

Luis Bernardo,
No Blog de Esíritismo ficamos à espera de mais artigos sobre estes assuntos.
Sabe onde poderei encontrar a imagem que refere em que Fernando de lacerda aparece numa fotomontagem, e sabe se alguém a tentou passar por fotografia de Espíritos?

Luís Bernardo said...

André,

Aqui deixo as referências das duas publicações a que me refiro no blog a propósito de Fernando de Lacerda:

- Illustração Portugueza, 7 de Setembro de 1908.
- J. S., Revista das Revistas ─ o que dizem os mortos, Revista de Espiritismo, Ano VII, Maio-Junho, 1933, pp. 100-106.

Se as fotografias usadas para ilustrar estes textos foram usadas por alguém como "verdadeiras" fotografias espíritas não sei.
Espero contar algo mais sobre fotografias espítitas no vol.3 do meu livro "Histórias da Luz e das Cores". No vol. 2 há oito páginas sobre o tema.

Luís Bernardo