Thursday, January 11, 2007

A ociosidade e outros defeitos dos portugueses

Diz-se que a ociosidade ou, mais prosaicamente, o desejo de não fazer nada é uma das más qualidades dos portugueses. A sua origem genética ou cultural é discutível, não havendo ainda provas convincentes a favor de uma ou outra hipótese. Numa perspectiva religiosa, esta particularidade portuguesa poderia muito bem ser uma fuga à sentença proferida por Deus-Pai no momento em que expulsou Adão e Eva do Paraíso e impôs a Adão que apenas sobreviveria à custa do “suor do seu rosto”.
Muitos analistas da realidade portuguesa identificaram a ociosidade como predicado lusitano e ainda descobriram outras qualidades que os economistas modernos consideram muito ruinosas para a produtividade nacional. Antero de Quental (1842-1891), pensador e poeta , chegou ao ponto de afirmar que “a ociosidade é o ideal dos portugueses, mesmo daqueles que trabalham”. Em sua opinião, esta aversão pelo trabalho era uma herança do “nosso espírito guerreiro de nação conquistadora”:

Os netos dos conquistadores de dois mundos podem, sem desonra, consumir no ócio o tempo e a fortuna, ou mendigar pelas secretarias um emprego: o que não podem, sem indignidade, é trabalhar! Uma fábrica, uma oficina, uma exploração agrícola ou mineira, são coisas impróprias da nossa fidalguia.

Imune à crítica de Antero, a ociosidade portuguesa parece ter-se mantido vigorosa até hoje. Ela afecta não só a produtividade, levando à estagnação económica e cultural, mas também a curiosidade, conduzindo ao desinteresse e à indiferença pela ciência. Era o que pensava Rocha Peixoto (1866-1909) que, perante a falta de curiosidade científica dos portugueses pelas explorações geológicas, desabafava no seu livro A Terra Portuguesa (1897):

Pae do Céu, em paiz cujo doce e facil conchego, n’um sólo fertil e sob um clima terno, nos concede esta rica immobilidade que vamos disfructando.

Comentando este texto um leitor anónimo escreveu à mão em 1969 a seguinte nota:

Sim num paiz de preguiçosos com horror ao saber, a maior parte da população fanatizada pela crença contenta-se em rezar ou em coisas que a não obriguem a puxar muito pelo cérebro…

Ligadas à ociosidade encontram-se habitualmente outras perniciosas qualidades… De entre elas, destaca-se a pusilanimidade de carácter que, de acordo com a opinião de Augusto Fuschini (1834-1911) expressa em 1899, era uma das piores e mais profundas qualidades dos portugueses. Períodos longos de falta de liberdade, regimes autoritários, “a hereditariedade, os exemplos, as perseguições e o medo” expungiram “da alma nacional as enérgicas qualidades dos guerreiros e dos navegadores das primitivas eras heróicas da nossa história”. Junte-se a tudo isto “ a resignação levada até ao fatalismo, a inconsciência dos direitos individuais […], a desconfiança recíproca, a inveja, manifestando-se pela maledicência e pela intriga, a subserviência medrosa e hipócrita nos inferiores, a vaidade tirânica nas elevadas posições” e teremos uma imagem fiel do povo português, uma raça fraca, deprimida e atrasada. Para além deste longo rol de graves defeitos, Guerra Junqueiro (1850-1923) encontrou ainda nos portugueses outros, não menos graves:

O português, apático e fatalista, ajusta-se pela maleabilidade da indolência a qualquer estado ou condição. Capaz de heroísmo, capaz de cobardia, toiro ou burro, leão ou porco, segundo o governante. Ruge com Passos Manuel, grunhe com D. João VI. É de raça, é de natureza. Foi sempre o mesmo.

Também Diogo Pacheco de Amorim (1888-1976) acrescentou às nossas mais genuínas qualidades a devastadora negligência:

É do nosso feitio, costume e creio que natureza, fazer hoje só aquilo que de todo em todo se não pode deixar para amanhã. A negligência é a tara mais generalizada na nossa raça. A um povo tão fundamente ferido por este mal, é loucura pedir um esforço aturado e voluntário.

No meio deste negro cenário houve quem enxergasse no carácter português um resquício de redenção. Américo Pires de Lima (1886-1966) opinava que os portugueses só na sua terra eram preguiçosos, ociosos e negligentes:

O Português só é capaz de desenvolver todos os seus recursos, que são inesgotáveis, quando longe da terra onde nasceu. Em competência com o estrangeiro desenvolve uma energia e um espírito de iniciativa absolutamente notáveis. Entregue a si próprio, no meio em que nasceu e se criou, deita-se a dormir o sono dos bem-aventurados …

Para este médico e professor, a culpa era naturalmente do “jardim à beira mar plantado”! … Sendo assim, a solução para reabilitar os portugueses passaria por transformar o “jardim” numa “horta” ou numa “oficina” ou ─ se tal não for possível ─ dispersar toda a raça pelo mundo ! … O “Quinto Império” proclamado pelo Pe. António Vieira e por Fernando Pessoa talvez pudesse deixar de ser uma utopia transformando-se numa fantástica realidade.

1 comment:

Anonymous said...

Aprendi muito