Não restam dúvidas que a ciência moderna tem resolvido inúmeros problemas com que a Humanidade se tem confrontado, tendo impulsionado ─ mais do que qualquer outra actividade humana ─ o desenvolvimento e o progresso social. Nesta perspectiva, se desejarmos fazer uma previsão da evolução futura da Humanidade é necessário fazermos primeiro uma previsão do desenvolvimento da ciência. No entanto, embora as previsões sejam um objectivo de qualquer boa teoria científica, a verdade é que as previsões sobre o desenvolvimento da própria ciência continuam a ter um carácter muito pouco científico e, frequentemente, revelam-se totalmente erradas quando comparadas com a realidade. A justificação deste fracasso é simples: os principais progressos da ciência não são regidos por leis lineares, mas sim por singularidades resultantes do acaso consciente, da imaginação e do génio. Para além desta dificuldade, a influência da ciência na evolução das sociedades é igualmente complexa e os benefícios e malefícios da ciência continuam a ser controlados por pessoas e instituições com interesses particulares imprevisíveis, muitas vezes opostos aos interesses gerais e consensuais.
De entre aqueles que mais previsões têm feito sobre as sociedades humanas do futuro, têm sido os escritores de ficção científica. Por sua vez, os cientistas, cientes da dificuldade de tais previsões são habitualmente muito relutantes em fazê-las e, quando as fazem, são muito cautelosos. Não deixa de ser paradigmática a frase de Niels Bohr (1885-1962), um famoso físico do séc. XX:
A predição é muito difícil, especialmente se for sobre o futuro...
Apesar de toda a prudência da maioria dos cientistas, tem havido alguns que se têm aventurado nessas previsões com os riscos de poderem ser ridicularizados pelos vindouros. Marcellin Berthelot (1827-1907), um famoso químico francês, falecido exactamente há 100 anos e especialista em síntese química, tentou há 150 anos antever o desenvolvimento da química para o ano 2000 e retirar as consequências desse desenvolvimento para a evolução das sociedades humanas. Fê-lo no fim de um banquete organizado pela câmara sindical dos produtos químicos, numa intervenção improvisada que iniciou desta forma:
Permiti-me que fale dos meus sonhos: o momento é propício, pois é depois de beber que se fazem as confidências... Fala-se às vezes sobre o estado futuro das sociedades humanas; pela minha parte quero imaginá-las no ano 2000, sob o ponto de vista químico. […] Nessa altura, não haverá no mundo nem agricultores, nem pastores, nem trabalhadores rurais: o problema da existência de solos para a agricultura terá sido resolvido pela química.
Depois de algumas considerações sobre a capacidade da física e da química para criar fontes de energia inesgotáveis e baratas, Berthelot refere-se ao problema da produção de bens alimentares por processos químicos:
Em princípio este problema já está resolvido: a síntese das gorduras e óleos faz-se há quarenta anos, a dos açucares e dos hidratos de carbono foi conseguido nos nossos dias e a síntese dos produtos azotados será em breve uma realidade. Efectivamente, o problema dos alimentos, não nos esqueçamos, é um problema químico. No dia em que tivermos energia barata, produziremos prontamente alimentos de todas as espécies, com o carbono retirado ao ácido carbónico, com o oxigénio e o hidrogénio retirados da água, com o azoto retirado da atmosfera. […] Um dia virá em que cada um de nós trará consigo para se alimentar, a pequenina tablete de matéria azotada, o torrãozinho de gordura, o pedacito de fécula ou de açúcar, o frasquinho de espécies aromáticas, tudo isto produzido pelas nossas fábricas, economicamente e em quantidades inesgotáveis; tudo isto independente da irregularidade das estações do ano, da chuva ou da seca, do calor que mirra as plantas ou do gelo que destrói a expectativa da frutificação; tudo isto, enfim, livre de micróbios patogénicos, origem das epidemias e inimigos da vida humana. Nesse dia, a química terá conseguido no mundo uma revolução radical, cujo alcance ninguém pode calcular; deixará de haver terrenos de searas e vinhedos e não haverá animais nos prados; o homem ganhará em amabilidade e em moralidade, porque deixará de viver da matança e destruição das criaturas vivas. Deixará de haver distinção entre terras férteis e estéreis. Os desertos de areia talvez se tornem na morada preferida das civilizações humanas porque são mais salubres que os aluviões empestados e os pântanos pejados de putrefacção, que actualmente constituem os locais para a nossa agricultura. […] A terra transformar-se-á num vasto jardim regado por mananciais de águas profundas, onde a raça humana viverá na abundância e na alegria da lendária idade de ouro.
O optimismo de Berthelot é contagiante, mas a verdade é que o mundo que ele imaginou para 2000 é bastante diferente da realidade. A energia continua a ser cara e as transformações químicas pouco eficientes. Os alimentos, longe de serem totalmente produzidos por síntese química, continuam a ser quase exclusivamente produzidos pela agricultura, pecuária, avicultura e piscicultura, técnicas melhoradas pela biotecnologia transgénica, de que Berthelot nem sequer sonhava. A Idade de Ouro trazida pela ciência, embora mais próxima do que há 150 anos, continua a ser ainda uma utopia…
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2 comments:
Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu
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