Sunday, January 21, 2007

O Portugal de António Sérgio

António Sérgio (1883-1968) foi um dos maiores e mais lúcidos pensadores portugueses do século XX. Na senda de outros pensadores igualmente ilustres do século precedente ─ de que se destacam os da Geração de 70 e os positivistas ─ António Sérgio tentou perceber as causas do subdesenvolvimento crónico do país e apresentou soluções para ultrapassar esse atraso. Em O Problema da Cultura e o Isolamento dos Povos Peninsulares (1913) comentou o seguinte:

Muito se tem dito e escrito sobre as causas da decadência dos povos peninsulares. Dois grandes factos avultam no estudo dessa decadência: a educação guerreira e a purificação; ou, por outras palavras, a falta de actividade produtora (agricultura, fabricação) e o isolamento sistemático.

Em sua opinião, o temperamento dos portugueses e castelhanos tinha sido moldado na sequência das invasões árabes, um acontecimento que obrigou mais ao desenvolvimento do espírito guerreiro do que ao do espírito industrial ou agrícola. Isto justificaria que, entre nós, “as faculdades românticas da paixão e da fantasia, da impulsividade e da retórica, preponderam enormemente sobre a vontade e a razão”. Terminado o período das guerras e conquistas, Portugal nunca conseguiu enveredar pela senda do progresso porque não tinha as bases que o suportassem: a ciência moderna, a indústria e agricultura. Para ultrapassar este atraso António Sérgio achava fundamental implementar o ensino das ciências e paralelamente desenvolver a investigação científica nacional. Em sua opinião, a ciência traria a Portugal o progresso não só económico mas sobretudo mental e cultural. Para ele, a ciência era a mais poderosa força de ascensão e elevação espiritual do homem. No seu polémico ensaio, O Reino Cadaveroso ou o Problema da Cultura em Portugal (1926), escreveu o seguinte:

O melhor resultado da investigação científica […] é a realização de uma verdadeira Cultura, a ascensão do intelecto ao nível divino, a divinização da nossa mente.

Para além de apresentar argumentos de valorização da cultura científica, António Sérgio recomendava as medidas políticas que considerava necessárias para que a cultura científica se instalasse solidamente em Portugal:

O que se impõe é o treino metódico, continuado, generalizado, de grande número dos nossos jovens nos melhores centros de investigação; o que cumpre criar é um ensino activo, que fomente a iniciativa intelectual do aluno; o que é necessário é que dia a dia (e passo a passo e ponto a ponto) se vá colonizando sistematicamente, com campos de trabalho e com guarnições estáveis, isto é, com institutos científicos, com educação autonomista, com associações cooperativas, com escolas de ensaio, o nosso Reino da Estupidez. Por isso, no programa da Seara Nova, liminarmente, como base necessária de tudo mais, pedimos uma Junta de Propulsão dos Estudos, que tenha a seu cargo o desenvolvimento energético da cultura crítica da mocidade; que dê bolsas de estudo no estrangeiro; que crie institutos de investigação científica onde trabalhem depois os seus bolseiros; que organize o esforço dos nossos mestres e a preparação sistemática do nosso escol.

Dada a persistente degradação do ensino português, a ideia da criação de uma Junta de Propulsão de Estudos tinha surgido no início da década de 1920, e era defendida por vários intelectuais dos quais se destacaram pelo seu activismo Celestino da Costa e Simões Raposo. Esta Junta seria uma instituição independente dos estabelecimentos oficiais de ensino e investigação e teria dois objectivos fundamentais: dar bolsas de estudo a investigadores científicos no estrangeiro e manter escolas experimentais em todos os graus de ensino. Tal era o empenho de António Sérgio na implementação deste projecto que aceitou exercer o cargo de Ministro da Instrução para o poder concretizar. Não o conseguiu, porém, por causa de dificuldades criadas no Parlamento e de divergências existentes no seio do próprio governo.
Em 1929, seis anos depois de ter abandonado a sua experiência governativa de dois meses, António Sérgio viu retomado o seu projecto ─ embora bastante adulterado nos seus objectivos ─ e criada a Junta de Educação Nacional (JEN) pelo então ministro Gustavo Cordeiro de Ramos. Esta Junta destinava-se “à promoção e auxílio da investigação científica em Portugal”. A melhoria do ensino ao nível básico foi também uma preocupação da JEN que atribuiu bolsas a professores para irem observar os sistemas de ensino no estrangeiro e, com essa experiência, poder introduzir-se as necessárias medidas correctivas no sistema de ensino nacional.Apesar das muitas críticas que se possam fazer à acção da JEN e ao Instituto de Alta Cultura (IAC) que a substituiu em 1936, não há dúvidas que estas instituições criaram condições para que a ciência portuguesa se internacionalizasse. Falta de investimentos e uma continuada apatia nacional para com a ciência ─ partilhada tanto por políticos como por alguns intelectuais ─ fez que esta iniciativa se tivesse transformado em mais uma oportunidade perdida para um verdadeiro desenvolvimento científico, técnico e tecnológico do País.

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