No programa Olhos nos Olhos da TVI 24 de 2ª feira —
a quatro dias da comemoração do 40º aniversário do 25 de Abril — foi confrangedor ouvir certas afirmações de Medina Carreira,
um ilustre representante dos economistas da austeridade, em presença do seu interlocutor
Carlos Fiolhais, um cientista convidado para o programa.
Nesta discussão,
estiveram em confronto duas concepções de desenvolvimento para um país que
Medina Carreira classificou de “pelintra”. Com a desgastada justificação da
falta de dinheiro, este austero comentador defendeu que o orçamento do Estado
para as Universidades e para a Ciência devia ser reduzido. Carlos Fiolhais
argumentou que é por meio da ciência que se poderá fazer o desenvolvimento económico
e social do País, e, portanto, o orçamento deveria ser aumentado pelo menos ao
nível da média europeia. Argumentou o primeiro que há doutores a mais em
Portugal, que não têm emprego e que, portanto, o dinheiro gasto na sua formação
tinha sido um desperdício; o segundo contestou, afirmando que, pelo contrário,
há doutores a menos e que o conhecimento é o meio de o País se desenvolver.
Está enganado quem
pensa que esta discussão é nova e que foi causada pela crise. Em Portugal, houve
sempre quem julgasse que a ciência é uma iguaria que não é para a boca — nem é,
sequer, do gosto — dos portugueses, e
sempre houve também muitos portugueses ilustres que pensaram o contrário.
Salazar entendia
que Portugal se devia contentar com a sua pobreza e acabou por sanear muitos
cientistas das universidades portuguesas. Marcelo Caetano encarava a ciência como
recurso político, ao afirmar que “no Ministério da Educação Nacional, a
investigação científica pode, na ordem das preocupações, ocupar o quarto, o
quinto, o sexto lugar; no Ministério das Colónias trata-se de uma preocupação
de primeiro plano.”
Há ainda hoje
quem não entenda que o atraso nacional se deve à nossa crónica ignorância das
letras e das ciências; que a revolução industrial do século XIX não chegou a
Portugal por este motivo; que a revolução da informação do século XXI não se
fez em Portugal pela mesma razão; que a ciência deve ser encarada como um
infraestrutura de desenvolvimento económico e social, como acontece, aliás, em
todos os países desenvolvidos. Medina Carreira acha que a ciência não deve ser
financiada simplesmente porque não há dinheiro! ... Nesta perspectiva, como
estamos cada vez mais pobres, a ciência nacional terá à sua frente um futuro brilhante
e, com ela, a vida dos portugueses.
Todos deviam
conhecer um bom exemplo histórico vindo da Alemanha — um país que os economistas
da austeridade tanto louvam pela política europeia que desenvolve em seu benefício
e proveito. Mal terminou a II Guerra Mundial, o governo alemão, com a ajuda dos
vencedores — diga-se de passagem — começou a reconstrução do país. Com infraestruturas
totalmente destroçadas, uma população pobre e doente, sem homens para
trabalhar, qual foi a prioridade para a reconstrução alemã? — O fomento da
investigação científica e a reforma das universidades que tão mal tratadas
tinham sido durante o regime nazi. O lema adoptado foi “pôr a ciência ao
alcance do povo e levar a ciência alemã, depois da derrota, a tornar-se a
primeira ciência do mundo.” Em poucos anos a Alemanha adquiriu, pelo menos em
parte, o nível de desenvolvimento e bem estar a que o povo aspirava. Actualmente,
os alemães são considerados um povo exemplar, têm muitos doutores e até estão
dispostos a ajudar Portugal, dando emprego aos engenheiros e doutores que nos
sobram.
Senhores
governantes, se não são capazes de bem gerir o País, deem ao menos aos portugueses as ferramentas intelectuais
para que possam inovar e progredir. Os que não couberem nesta pequenina terra,
neste país “pelintra” da Europa, poderão ao menos contribuir para o progresso
das outras nações como a Alemanha.
No comments:
Post a Comment