Fala-se muito em
Portugal da política de investigação científica do actual governo, que ninguém
conhece pela simples razão de aparentemente não existir. Sabe-se apenas que não
será igual à que conduziu ao bom desempenho da ciência portuguesa nas duas
últimas décadas. Talvez seja útil lembrar aos governantes qual foi a política do
governo autoritário de Salazar, pois poder-lhe-á servir, entre outras possíveis
alternativas, como fonte de inspiração. Com a política de contenção, de
inspiração salazarista, conseguir-se-ia que o país, para além de mais pobre, ficasse
também mais inculto, dando alguma coerência à política terceiro-mundista que, nos últimos três anos, tem sido implementada em Portugal.
O Estado Novo — que
tinha como base para a educação nacional a trilogia “Deus, Pátria e Família” —
trouxe alguma ordem, estabilidade e sustentabilidade ao ensino nacional, e
promoveu, à sua maneira e de acordo com as possibilidades financeiras do país,
a ciência e a tecnologia. Mais impelido pelo exemplo de outros países — em
particular da vizinha Espanha — do que propriamente por uma genuína motivação pela
ciência, Salazar criou a Junta de Educação Nacional (JEN) em 1929, que se
transformaria em 1936 no Instituto para a Alta Cultura (IAC), uma designação
que o físico Manuel Valadares, mais tarde saneado, considerava “infeliz” ...
O objectivo desta política
era criar uma elite para poder sustentar um desejado progresso que já há muito
existia noutros países europeus. Não havia, porém, qualquer interesse do regime
político para que fosse popularizada a cultura científica, baseada na
independência e na liberdade.
O Secretariado
Nacional de Informação (SNI), herdeiro do Secretariado de Propaganda Nacional
(S.P.N.) criado em 1934, propagandeava nas suas publicações o muito “esforço” do
governo para patrocinar a ciência e a cultura. Sob o título “Os Institutos e Centros de Investigação”
incluído numa dessas publicações afirma-se o seguinte:
O número de
organismos científicos que o Estado criou revela bem como a vida precária da
investigação científica em Portugal se vem modificando e melhorando. O critério
seguido foi mais a criação de pequenas células servidas por estudiosos de escol
do que o estabelecimento de organismos majestosos cuja acção muitas vezes não
corresponde ao plano feito, e que são difíceis de sustentar em País, como o
nosso, de recursos modestos.
Aí se apresenta uma
lista de centros e institutos científicos que o Instituto para a Alta Cultura “sustenta
e habilita” e conclui-se:
Com subsídios a
Centros de Estudo e a publicações gastou o I. A. C. até hoje cerca de três mil
e quatrocentos contos, verba sobremaneira importante para um país desprovido
até 1928 de Institutos de investigação especializada.
A política de
formação de bolseiros no estrangeiro era igualmente enfatizada pela propaganda
política do governo salazarista:
O Estado volveu
ao bom caminho antigo [na senda das políticas de D. João III e de D.
João V...]. Desde a sua fundação até hoje
o Estado despendeu já cerca de onze milhões e meio de escudos com o envio de
bolseiros a centros culturais estrangeiros, e isto dentro das ciências mais
variadas e de todas as formas de Arte.
Foram oferecidas
bolsas para que professores portugueses visitassem centros de investigação e
instituições de ensino estrangeiros, com o objectivo de se informarem sobre as
mais recentes inovações de modo a poderem ser implementadas no país. Havia a preocupação que as pessoas escolhidas
para estas missões fossem fiéis ou pelo menos que não fossem contrários ao
regime. O Estado Novo dava mostras de uma grande preocupação com a actualização
científica do país, mas mantinha um completo controlo sobre as actividades dos
educadores e dos cientistas portugueses.
Para que não
surgissem imprevistos, a participação em congressos científicos era igualmente
controlada pelo governo através da escolha de cientistas “oficiais”:
O I.A.C. tem
sido, desde 1936, o organismo geralmente encarregado de escolher a
representação portuguesa nos vários congressos científicos internacionais. Com
tal acção, e com comissões especiais de estudo, gastaram-se em seis anos mais
de setecentos milhares de escudos.
As purgas de muitos
cientistas, realizadas por duas ocasiões (1935 e 1947), e todas as dificuldades
que o regime pontualmente criava a quem não tivesse um cadastro político
“limpo”, mostram bem que acima do desenvolvimento científico estava a
manutenção do regime político onde a liberdade era condicionada e era muito apertado
o controlo das actividades dos cidadãos.
Com esta política
científica tão bem planeada, o Estado Novo transmitia a imagem de grande
fomentador da ciência, gastava muito pouco dinheiro e favorecia amigos e sequazes.
Tudo isto é muito inspirador... Não é verdade?! ...
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