A Aula de Náutica ─ ou simplesmente a Aula Náutica ─ do Porto foi a 1ª aula pública no Porto ─ descontando as aulas de gramática latina e de lógica ─ e surgiu na sequência de uma iniciativa dos comerciantes portuenses para protegerem os navios comerciais, frequentemente assaltados por piratas nas costas portuguesas e no mar-alto. Para isso, solicitaram ao rei D. José que lhes permitisse construir duas fragatas para protecção das frotas. Comprometiam-se a pagar a sua construção e manutenção, com o imposto de 2% aplicado ao valor das mercadorias entradas na barra do Douro e dos fretes pagos aos navios comboiados pelas fragatas. O pedido foi satisfeito por alvará de 24 Novembro de 1761.
Por alvará de 30 de Julho de 1762, o rei ordenou a formação de um corpo de marinha para as fragatas, e criou uma Aula para a formação de marinheiros. A Aula entrou em funcionamento, em 1764, no Colégio dos Meninos Órfãos que se localizava no espaço actualmente ocupado pelo edifício da Reitoria da Universidade do Porto. Era administrada pela Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, que cobrava também os impostos para a manutenção e desenvolvimento da Aula. Em 1764, António Rodrigues dos Santos, foi nomeado capitão-tenente das fragatas e mestre da Aula Náutica.
Após a morte deste primeiro mestre, foi nomeado lente da mesma Aula o 1º piloto e cartógrafo José Monteiro Salazar, que exerceu este cargo até falecer em 1789. É autor de uma interessante carta náutica em pergaminho datada de 1777, pertencente à Universidade do Porto, e de um “mapa da barra e rio da cidade do Porto” ─ cujo original, datado de 1779, está na Sociedade de Geografia de Lisboa ─ e duas cópias uma das quais, datada de1784, pertence à Biblioteca Pública Municipal do Porto. Este mapa integrava-se num projecto de regularização da navegabilidade e de desassoreamento da barra do Douro, elaborado por Monteiro Salazar.
Para que os alunos da Aula de Náutica aprendessem a “tirar cartas geográficas e topográficas dos países, plantas das cidades, das embarcações, etc.”, foi criada, por decreto de 27 de Novembro de 1779, a Aula de Debuxo e Desenho, tornando-se assim a 2ª Aula pública (de carácter técnico) da cidade do Porto.
A Aula Náutica teve um grande desenvolvimento durante os 20 anos em que José Monteiro Salazar foi lente (1770-1789). Os pilotos que se formaram nesta Aula, depois de um estágio de várias viagens, conduziam navios para o Brasil e para o mar Báltico chegando à Rússia, império com o qual Portugal estabeleceu, desde então, importantes relações comerciais e políticas.
A criação da Academia Real de Marinha e Comércio (1803) reestruturou o ensino da náutica, organizando-o num Curso de Pilotagem: um mais simples (destinado a pilotos) e outro mais completo (destinado a oficiais de marinha). O lente do 3º ano matemático supervisionava o Curso. Foi criado o cargo de “mestre de aparelho e manobra naval” para as aulas práticas, que eram dadas numa éplica de fragata (um brigue de dois mastros). Foram “mestres de aparelho” José Dias da Silva (1806-1808), Pedro Gonçalves Salazar (desde 1808) e José António da Natividade (1832-1860).
Com a criação da Academia Politécnica do Porto, em 1837, sucedendo à Academia Real da Marinha e Comércio, o ensino da náutica foi novamente reorganizado, sendo então criado o Curso de Pilotos e o Curso de Oficiais de Marinha. Em 1863, foi aprovado um projeto de reforma dos cursos da Academia Politécnica, mantendo-se o Curso de Pilotos e criando-se os Cursos Preparatórios para Oficiais do Exército e da Marinha. Foi nomeado mestre do aparelho Eduardo J. de Carvalho e Silva, que exerceu este cargo entre 1861 e 1869, data em que o Curso de Pilotos foi extinto. Mantiveram-se no entanto os Cursos Preparatórios para Oficiais do Exército e da Marinha que foram posteriormente reestruturados (1885) e que continuaram na Faculdade de Ciências, criada em 1911.O Navio-modelo (o brigue de dois mastros) foi desmantelado entre 1875 e 1878, quando se encontrava já inactivo, desde 1869, e estava a ocupar um espaço que era necessário para as actividades escolares das instituições localizadas no edifício da Academia Politécnica.
Sumarizando, a Aula Náutica do Porto foi criada em 30 de Julho de 1762, reorganizada em 1803, 1837 e 1863 e extinta em 1869. Durante cerca de um século existiu na cidade do Porto o ensino da náutica para a formação de pilotos que conduziam os muitos navios que mantinham o comércio marítimo do Porto e da região norte do País, com outras cidades portuguesas e com o estrangeiro.
É de realçar que o funcionamento da Aula Náutica foi suportado por impostos locais (um caso único no país…) e que nem por isso os portuenses deixaram de pagar os impostos que todos os outros portugueses pagavam para manter o ensino público nacional! … É notório o espírito de iniciativa e de independência que caracterizava as gentes da cidade do Porto e que, na segunda metade do século XIX, transformou a cidade na “Manchester portuguesa”, na “cidade eterna” e na “cidade das artes e do progresso”, como era então frequentemente designada.
Na Reitoria da Universidade do Porto, está uma exposição intitulada “250 anos da criação da Aula Náutica do Porto”, onde são exibidos documentos ligados às actividades da Aula, vários instrumentos náuticos, dois globos de grande valor e raridade, e um valioso conjunto de cartas náuticas dos séculos XVII, XVIII e XIX. Com entrada livre, a exposição está aberta nos dias úteis das 14 às 18 h, até 30 de Julho.
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