Na mente de muitos portugueses existe ainda a ideia de que as bibliotecas públicas são instituições criadas pelo Estado com o objectivo de proporcionarem aos cidadãos cultura “tendencialmente” gratuita ... Não se perceberia que fosse de outra forma … No entanto, no caso das bibliotecas portuguesas, essa ideia é mais uma utopia do que uma realidade.
A onda economicista que varre de lés-a-lés este “cantinho à beira mar plantado” tem obrigado os portugueses a pagar tudo, mesmo aquilo que julgam ser uma justa contrapartida pelos impostos que pagam ao Estado. Os mais desatentos interrogam-se para onde vão as verbas que os governos arrecadam e os mais informados respondem que vão para obras faraónicas, que enchem o ego dos ministros ─ incluindo o primeiro ─ e que lhes alimentam a esperança de terem o nome escrito num parágrafo da história pátria. Mas nisso recuso-me a acreditar … Penso, até, que deve haver uma fatia significativa do orçamento público para cobrir as despesas das bibliotecas públicas ─ tão úteis e necessárias são para elevar o nível cultural do país, afogado na mediocridade dos jornais diários gratuitos e das telenovelas ridículas que enchem os canais televisivos, públicos e privados.
A verdade, porém, é que as bibliotecas públicas portuguesas parecem não ter dinheiro para funcionarem. O cidadão que deseje aí adquirir uma cultura sólida tem que pagar preços, não só elevados como também injustos. Parece que a cultura neste país é vista como um bem de luxo, sujeito, consequentemente, a taxas de luxo…
Para exemplificar, comecemos pela Biblioteca Nacional de Lisboa, agora chamada de Portugal (BNP). Se um cidadão quiser usufruir plenamente este espaço cultural ─ uma obra de toda a nação, realizada ao longo de séculos ─ precisará ter um “cartão de leitor”, válido por um ano, pelo qual pagará a módica quantia de €8,50 ─ uma ninharia, dirão aqueles que aqui mandam … (Note-se que a renovação é de apenas €7,50). Imagine-se que o cidadão deseja fazer um estudo aturado sobre um qualquer texto em posse da BNP e que necessita de umas fotocópias. A saga começa se o referido texto não puder ser directamente fotocopiado e necessitar de ser previamente digitalizado ou microfilmado por razões de segurança ou conservação… Para simplificar as contas, admitamos que o texto já está microfilmado; com desconto para grandes quantidades, o preço médio, na base de 240 páginas A3, é de €0,44 por página, perfazendo o total de €105,6 ─ uma ninharia para os nossos governantes contabilistas….
Passemos ao Porto que é a segunda maior cidade do país. Aqui não chegou ainda a moda do “cartão de leitor”, mas, como é uma medida cultural tão relevante para Lisboa, não tardará que a cidade invicta usufrua de tão grande benefício. Ao contrário, porém, do que se passa em Lisboa ─ onde se pratica a técnica comercial do grossista (maior quantidade, menor preço unitário…) ─ na Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP) ainda se mantém a técnica de venda de merceeiro, que cobra na base de pequenas quantidades, a preço fixo, mas tanto quanto sei, aqui não se fia... Paga-se nesta biblioteca por cada fotocópia A3, com digitalização incluída, o módico valor de € 0,96 por página (preto e branco): €0,55 pela página digitalizada ─ virtual e inútil ─ e mais €0,41 pela referida página “suportada”, isto é, colocada em papel. Em vez de papel, pode optar-se pelo “suporte” em CD-R e então pagar-se-á apenas €1,67 por cada disco. Feitas as contas, para 11 fotocópias em A3 o montante a pagar é modestíssimo: €10,56.
Quem quiser estudar um autor ou um tema com maior profundidade em sua casa, rodeado de meios e condições que a BPMP não possui, a conta a pagar será um pouco mais elevada. Se o fólio a digitalizar tiver 500 páginas, o que é normal, deixará o leitor na BPMP apenas €276.67 no caso de optar pelo “suporte” económico em CD-R. Como parece razoável, um cidadão, que se preocupe em aumentar a sua cultura, desejará repetir esta experiência pelo menos duas vezes por ano, mas antes de o fazer deverá pensar mais que duas vezes …
As nossas bibliotecas públicas acham que estas incursões culturais são “safaris” para ricos… e cobram de acordo com o que pensam. Assim, antes de tomar uma decisão precipitada, aconselho esse cidadão a dar uma espreitadela no portal da BNF (Bibliothèque Nationale de France). Aí talvez possa encontrar o livro de que necessita, pronto para download, a custo zero! …
Afinal ainda há países onde as bibliotecas públicas são instituições que proporcionam cultura “tendencialmente” gratuita aos seus cidadãos e aos cidadãos de todo o mundo…
Que bom será nascer, viver e pagar impostos no país da BNF!...
Thursday, July 31, 2008
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