Sunday, June 24, 2007

A reforma da universidade portuguesa


Discute-se neste momento a reforma da universidade e do ensino superior, em Portugal, e é confrangedor ouvir os argumentos que publicamente apresentam os mais altos responsáveis por essa reforma. Na opinião destes reformadores, a universidade portuguesa está pesada, esclerosada, autista, mal governada, improdutiva, e desperdiça valiosos fundos do erário público. Por isso, a reforma é urgentemente necessária; deve ser profunda, mas deve ser feita “à la carte” de acordo com os gostos e posses de cada instituição. Para que a universidade saia desta letargia improdutiva é urgente ─ dizem os reformistas ─ encontrar formas de governo ágil, de flexibilizar o seu funcionamento, responsabilizar os seus agentes, facilitar a autonomização das suas unidades orgânicas e dar à sociedade civil a possibilidade de influenciar efectivamente a sua governação.

Nesta reforma, o reitor será nomeado e demitido por um conselho geral formado por professores, alunos e personalidades exteriores à universidade. As faculdades poderão autonomizar-se das respectivas universidades, se assim o entenderem e se o governo o aprovar. As universidades ou institutos universitários públicos ─ por decisão do seu conselho geral e aprovação do governo ─ poderão transformar-se em fundações públicas regidas pelo direito privado como estará a acontecer em países exemplares como a Suécia e a Alemanha onde existem justificadas expectativas de sucesso. As fundações propostas pela reforma serão administradas por um conselho de cinco curadores nomeados pelo governo que ─ talvez para evitar a partidarização ─ deverão ser propostos pelo conselho geral da fundação. Os orçamentos destas fundações deverão ser realizados por financiamentos próprios e pelo financiamento estatal com origem em contractos plurianuais, de acordo com regras transparentes, como aliás exige a boa democracia. Os professores deixarão de ser funcionários públicos; darão as suas aulas e/ou farão a sua investigação seguindo as orientações dos órgãos próprios da instituição fundacional… naturalmente. Os alunos deverão ser seleccionados à entrada, de acordo com os critérios estabelecidos pela fundação que serão exigentes… naturalmente.

De acordo com a reforma proposta pelo governo, as instituições, até agora impotentes de se renovarem e inovarem, poderão demonstrar todas as suas capacidades de desenvolvimento e libertar-se finalmente do espartilho imposto pelos estatutos que elas próprias aprovaram e pelas regras monolíticas do Estado. Mas a reforma permitirá ainda que outras instituições universitárias, através dos seus estatutos internos, se mantenham mais ou menos imutáveis. Desde que demonstrem perante o governo a sua eficiência produtiva, estas instituições mais conservadoras não serão descriminadas tanto institucional como financeiramente.

É intelectualmente pouco séria a análise feita pelos autores desta reforma, por não terem divulgado, discutido e combatido as principais causas das dificuldades por que passam as universidades portuguesas: critérios de financiamento desadequados; financiamento efectivo sistematicamente inferior ao que a lei estabelece; atribuição de competências sem contrapartidas financeiras; atrasos nas iniciativas e decisões ministeriais; financiamento irregular ao sabor das prioridades dos ministro ou dos défices; pagamentos atrasados; legislação contabilística anacrónica, desajustada, impeditiva da flexibilidade que agora se pretende exaltar.

Se as universidades portuguesas funcionam mal não é essencialmente por causa dos seus estatutos ou da irresponsabilidade dos seus professores, funcionários, alunos ou dirigentes mas sim dos empecilhos criados pelo próprio Estado, da escassez do financiamento a que têm direito e do não cumprimento dos compromissos assumidos por vários governos. São estas dificuldades ─ que não se limitam infelizmente à área da educação ─ que impedem o bom funcionamento das universidades. O governo quer ultrapassá-las da forma mais fácil: descartar a responsabilidade, directa e universal, do ensino superior. Ao passar esta responsabilidade para entidades autónomas a quem será distribuída uma cota financeira que julgar suficiente, o governo pode seguidamente lavar as mãos como Pilatos e dizer que o estado da educação superior ─ que vai ser uma trapalhada com esta reforma ─ é da responsabilidade dos outros.

Será difícil avaliar o futuro das fundações universitárias portuguesas, propostas nesta reforma. Num país socialmente desenvolvido e com bases educacionais sólidas, elas poderiam efectivamente contribuir para o desenvolvimento da investigação científica e para a formação de elites. O problema é que Portugal não é um país socialmente desenvolvido… Olhe-se para o estado da sua economia e da sua indústria bem como para o nível de desenvolvimento político e cultural dos portugueses. Numa conferência proferida em 1929, e publicada no livro “Missão da Universidade”, José Ortega y Gasset afirmou o seguinte:

Não censuro que nos informemos, pondo os olhos no que fez o vizinho exemplar; pelo contrário, importa fazê-lo, mas de modo que não se julgue que tal nos exime de resolver, por nós mesmos, originalmente, o nosso próprio destino” […]. Ainda que fossem perfeitas a escola secundária inglesa e a Universidade alemã, tais instituições seriam intransferíveis, porque são somente uma porção de si mesma. A sua realidade íntegra é o país que as criou e mantém.

Em vez de reformar as universidades e o ensino superior, não seria mais urgente e eficaz, neste momento, reformar o próprio Estado ou, se esta tarefa for considerada impossível, começar por reformar o Governo e, se isto não for também possível, ao menos tentar reformar as instituições governamentais? É que sem estas reformas o ensino superior vai continuar a ser ineficiente, tal como o resto do país…

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